quinta-feira, 26 de abril de 2007

retalhos do livro "memórias de uma velha maluca"

Livro a ser (re)construido há mais de 10 anos.
A história de vida da menina de rua cruza-se com a de Mário e com a de Isabel - casal que tenta procriar, sem nunca conseguir. Conheram-se através da irmã de Isabel, a Helena, namoradora de Mário. A história é narrada por uma velha, e conta a sua história de menina de rua, quando tinha 11 anos e que acabaria por ser adoptada pelo casal. Aos julgares de uma moral colectiva a velha era louca porque era diferente. Apresento-vos apenas alguns retalhos para aguçar a curiosidade.
Boa leitura!!
Prólogo
O mundo criou-me e deixou pouco espaço para mim, para as minhas escolhas, para as minhas afirmações. Pouco restou de mim!
Preparem-se! Sejam denodos! Sejam denodos o suficiente para ouvir esta minha história até ao fim. Preparem-se para conhecer uma saudosista despudorada (já sei que assim me irão considerar; já sei!! Também me preparei para vocês durante toda a vida).

Aviso-vos: se não quiserem ter o mesmo fim que eu contenham-se, reprimam-se. Vós não sois vós, sois o que os outros pensam e querem fazer pensar o que vós sois, mas que não o são. Mais: ainda antes de nasceres já te criaram, já te moldaram a índole, já te apresentaram a consciência universal.

Capítulo I
A sede do poder lança-me as migalhas e
A fome cala-me

A dor no corpo permanece-me cravada na minha memória. O desespero acompanhava-me neste sufoco. Ainda sinto o que sentia. Era a fome. Sentia-me uma morta a procurar pela vida, ou talvez uma viva a procurar a morte. A minha felicidade, na altura, restringia-se ao pão que me punha a trabalhar o estômago e dava-me energia para procurar mais pão - não é nesta parte da história que sou exagerada! Neste trecho da história estou a ser eufémica. Talvez o pão nos surgisse quando nos deixassem de dar as migalhas. A nossa procura pelas migalhas nunca fará com que o pão surja no nosso prato; só quando formos todos a partilhar as partes do pão por todos, por Direito Humano. As migalhas não nos calam a fome, mas calam as suas consciências e apaziguam a sua piedade que tanto os incomoda. Agem em solidariedade para se sentirem mais felizes. E nós ... nós só nos contentamos com o quase nada. Não temos força na voz para clamarmos a nossa dignidade e logo pensam que nós não temos dignidade.
Enfim, não me querendo alongar mais nesta parte da história, eu era uma menina da rua. Vivia das migalhas, acompanhada sempre pela fome. Tinha alguns conhecidos como o Pedro. Não sei se teria muitos amigos, porque o Homem quando em situações de sobrevivência partilhada une-se. E, esta união será amizade? Será que continuaríamos a ser amigos se nos acolhessem em casas diferentes? Na altura, não sabia a resposta. Mas o meu percurso de vida deu-me a resposta. São as respostas da experiência.
CAPÍTULO II
A vida de Mário e Isabel

1.Anseio de não procriar
A culpa ceifa a tranquilidade da mente e dilapida a partilha no leito matrimonial. A forma mais comum de fugir da culpa sentida é culpar o próximo. Então, lançam a provável hipótese de um deles ser o frustado e que algemou esta relação para a desgraça. Ambos refugiavam-se no confortante pensamento de que era o outro o incapaz. Receavam o confronto com a verdade. A verdade que os exames podiam oferecer, a verdade que grita que é o outro o são. Pelo julgar deste dilema, o problema só perdurava pela sua cobardia à verdade. Arrastaram a incógnita. A incógnita não só não era a solução como entumecia o receio à verdade e aniquilava a paz dos seus corações. Preferiam agir compulsivamente em incessantes tentativas. É uma escolha! Mas a escolha da fuga nunca pode ser uma boa escolha. Preferiam pensar será da próxima do que porem terminus à angustia da incógnita e terem a mais terrível certeza. Mas eles preferiam a angustia. Porquê esta angustia dilacerante? Porque permite ter esperança. O fim parecia-lhes longe. Sentiam-se infelizes, mas esperançosos de deixarem de o ser. A esperança por vezes enevoa o caminho e dificulta as escolhas. Muitas das vezes para encontrar o caminho de retoma para a vida real deve-se desfazer logo a esperança. Nem tudo é alcançável e há que deixar de ter esperanças de tal. Mas a felicidade é alcançável e essa é a única esperança que morre connosco. Para eles a sua felicidade era terem um filho, mas tal não era possível. Então teriam de encarar a realidade e pensarem em opções alternativas para redesenharem a sua concepção de felicidade. Para eles, de facto, a criação dependia das probabilidades: muitas tentativas num longo horizonte temporal fazem crescer as probabilidades.

5. o Coito
(Anuncio já aos leitores que esta secção é para maiores de 18 anos. Apesar de nunca ter entendido como se generaliza o despertar da sexualidade de cada um. Claro que o mundo depois está repleto de jovens pervertidos!! Rapidamente a sexualidade transpõe a linha ténue para a depravação, aos vossos julgares.)

Ela (Isabel) retomou com uma voz arrastada, aveludada: Fica por mim! Fica para mim!- Foram estas as suas frases. Fica por mim! Fica para mim! Tanto parecia um pedido lânguido como uma ordem surgida da audácia. A ambivalência do proferido atraiu-o (Máro) de súbito. Mirou-a! Olhou para aquela mulher como nunca se tinha atrevido a fazer e apreciou demorada e tranquilamente o seu corpo moldado coberto com uma leve camisa de dormir de cetim preto, rendada nos bordos das alças. As mamas saltavam do decote. Aprazido o seu desejo de a contemplar, sentiu o seu corpo invadido por uma sensação estranha: a estranheza da paixão ainda não aceite por si. Mas há momentos na vida que nos enevoam a razão, que nos enlaçam em estados inebriados, que nos lançam para vertiginosos feitos. Para descobrir tal mistério de um estado de espirito indefinido teria de se entregar à situação, render-se ao inesperado. A curiosidade de descobrir o outro, na sua intimidade sexual, impele os corpos para cima uns dos outros. É a necessidade de descobrir!, descobrir o corpo e o seu comportamento sexual: se o outro ondula, se estremece no clímax do prazer, se emite sons: gemidos, gritos, sussurros. Encontrava-se prostrado a olhar para ela. Os seus pensamentos flutuavam sobre o seu corpo. Esqueceu-se dos ponteiros do relógio. É daqueles momentos vividos com morosidade para ficarem retidos na memória, retardando o agir. Ela mantinha-se em pé e ele sentado. Era ela que pedia, era ela que estava a um nível superior, com a cintura acentuada denotando-se a larga anca, ao nível do olhar de Mário. Seria ele que iria satisfazer o pedido. Relembrou-se das suas frases mas reconfigurando-as conforme o seu desejo: Fica por mim! Fica para mim! Fica-te em mim! Fica-te dentro de mim! Surge-lhe uma vontade inesperada de a desnudar, um desejo sequioso de a possuir já ali no sofá. Os devaneios da tentação calavam o silêncio - outrora incomodativo, em que estavam mergulhados os corpos. Subitamente Isabel começou a bailar a anca e o roçar as suas pernas nas das dele. Ele imaginava que ia desvendando a sua nudez, levantando com um só gesto a camisa de dormir. Imaginava o talento de amante que ela teria. E imaginando sentiu-se. Sentiu palpitações, a respiração arfante, tremores nas mãos, o facies ruborizado. Sentiu a expansão do seu corpo já visível nas calças, preparado para a invadir. Viu-se assim vencido e agarrou-a pela cintura puxando o seu corpo para cima do dele. Dominado pelo desejo de descortinar o mistério que a envolvia viu-se a praticar acrobacias com Isabel. Rendidos à libido, os corpos estavam pela primeira vez entrelaçados, como iriam muitas vezes ficar. Após um momento de voluptuosidade, ambos entregues àquela lassitude recuperavam forças, partilhando um repouso. Mário contemplava aquela beleza, agora transpirada, com o mesmo olhar que iria ter muitas vezes. Olhou para o seu sorriso angelical, que se encontra facilmente nos humanos quando descansam. Estava ele ali deitado a namorar os seus lábios, reparando como o superior descansava levemente sobre o inferior. Quis sentir a sua existência entre os dedos, e aproveitou extasiar-se passando-lhe com o polegar pela boca húmida. Levantou descontraidamente o olhar para o tecto. Passou de relance o olhar pelo relógio da parede da sala. Como que acordando daquele estado de transe, viu nitidamente a imagem de Helena em frente do seu olhar. Abriu o sobrolho como se assim houvesse oportunidade de ver melhor ou de se certificar que a retina não o traíra. Mas foi uma aragem de pensamento que deixou-lhe como fardo o sentimento de culpa. De súbito sente o corpo algemado pela angústia. Levou as mãos à cabeça num gesto suave e penteou-se. A expressão do corpo aludia o estado da alma: confusa, embrulhada no processamento de tanta informação - informação da sua vida, da opção que acabara por tomar e que poderia toldar o futuro que planeara. A informação sensorial ficara porquanto abandonada. Uma opção!: uma divergência no caminho que levara. Uma opção! A sua mente muda, delatora sussurraria a Helena todos os pensamentos. Isabel ficou por instantes aturdida com suas cogitações, que poderiam ser deveras espinhosas para o planeado. Perante o eventual cenário dele a abandonar, ela sentiu-se impelida de redesenhar o seu plano estratégico, de forma eficiente. De chofre, Isabel ficou derramada em lágrimas, num estado lastimoso, apelativo para a compaixão de um humano. Andava pela sala, freneticamente, a vociferar entre soluços: e agora?! E agora?! Mário, apesar de sentir que já estava a arder no inferno, sentiu tumidez para com Isabel ao assumir o controlo da situação e reconfortou-a com as palavras calma e seus sinónimos. De súbito, ela estacou hirta mesmo frente a ele e perguntou de forma pausada: estás com medo, não estás? Diz-me! Estás não estás? Ele anuiu com a cabeça. E, ela iniciou a sua marcha nervosa, até que se deixou cair de joelhos junto à mesa e entre gemidos e soluços proferiu: meu Deus! O medo supera, asfixia qualquer outro sentimento. Por medo se morre. Por medo se mata. Por medo se abandona o amor. Por medo podes-me abandonar. Por medo podes-me matar: sem ti eu morro. Sem ti eu morro! Ouves-me!!: sem ti eu morro. Oh Deus! Aquela mulher que vigorava sobre si à pouco nutrida por uma intrepidez invejável aparecia-lhe naquele instante frágil, ao ponto de dizer que morreria sem ele. Sentia-se enobrecido por ela lhe conferir o dom de protecção e pertença. Agarrou-a na nuca e beijou-a. O intimo de Isabel rebolava de tanta regozijo. Mais uma vez ela indicava o caminho que queria que Mário seguisse e ele fazia-lhe a vontade. Enlevava o seu ego até junto aos ceús e ele respondia aos desejos dela. A cena de amor terminou e já quando ele transpunha a porta de entrada ela declarou Mário, meu homem, a salvação para este mal a que o prazer nos jogou é pedirmos perdão à vitima mais crucificada. Mário volveu-lhe, assombrado pela ideia: não faças isso! Será a desgraça para os três. Deixa-me ir para casa pensar ... reflectir. É isso: preciso de reflectir. Entrámos pelas portas do pecado sem pensar e perdemo-nos. Agora para nos encontramos neste labirinto a que nos largámos temos de pensar no melhor caminho para sair pelas mesmas portas. Sabes que já namoro a tua irmã à seis meses e namorei-te em menos de seis horas. No entanto não sei se estou ludibriado por este enredo que extasiaram os meus sentidos e sentires, mas acho que estou deveras mais apaixonado por ti. Engoliu em seco e pensou: sinto-me deveras mais apaixonado por ti, pelo teu corpo e sua pujança. E saiu.

Isabel narrou tudo a Helena quando ela chegou. A traída disse a Mário que estava desiludida e magoada – uma magoa que cegava a identidade da pessoa de Mário que ela conhecia. Interrogou-se se realmente o conhecia e se merecia ser conhecido. A confiança fora perdida e portanto a relação também.
Mário continuou a telefonar a Helena dizendo que não a queria perder mas simultaneamente visitava Isabel, a tirar partido das suas constantes e misteriosas dualidades que erguiam a sua verga. Tanto entregava-se à escravatura do amor como intumescia-se perante os comentários astutos duma mulher sabida na vida. Tanto aliciava a sua desenvoltura quando se encavalitava nele, puxava os seus cabelos e lhe dava ordens, como se admirava quando ela se deitava no seu colo e lagrimejava pela traição passada, motivo da ruptura da relação da irmã com ele. Apaixonou-se por Isabel e deixou progressivamente de pensar na irmã.

7. Sempre me encontro aqui

Passei por tantos dias infaustos enquanto filha da rua, mas quando deixei de o ser, o cruel fado enterrou-me viva, pregando-me uma impiedosa partida. Esperava que as recordações da paixão viessem a jazer sepultadas na minha mente, mas ainda hoje as guardo. Julgo que ficaram ancoradas à minha memória para sempre.

Saio da janela. Dirijo-me para o espelho e vejo a marca da idade junto à boca e aos olhos. Envelheci. Mas a dor que ficou manteve-me o espirito agarrado à minha juventude. Envelheci entre estas quatro paredes parada no tempo, com o passado a rever-se à minha frente. Vejo-o tão nitidamente. É o meu presente. E só deixará de o ser quando entregar o meu corpo à terra e deixar necrosar a alma juntamente com ele.

Eu agora preocupo-me com as inquietações de cada um de outrora. Preocupo-me por tomar a todas as horas os comprimidos que me acalmam os anseios. São as preocupações que me definham, contudo são estas quem me mantém viva. Se não vivesse o passado só poderia viver um sonho, porque o presente não. O presente são comprimidos. O presente é a clausura destas quatro paredes.

Não me preocupo com as rugas, pois são aquelas que me fazem lembrar todas as manhãs que sou uma privilegiada por me aperceber pela passagem do tempo. Apreciar a passagem do tempo é um apanágio conferido aos viventes. As rugas são um dos poucos motivos de felicidade que comemoro todas as manhãs.

7. A propósito de liberdade


Permitam-me um desvio da minha história, mas esta só faz sentido se me conhecerem. Para me conhecerem deverão ouvir-me. Odeiem-me só depois de me conhecerem; conhecerem-me tal e qual como sou e não como gostariam que fosse.


A propósito de culpados! Reflicto agora sobre culpados. Temos sempre que atribuir culpa. Porque perdemos tempo? Para evitar que se volte a repetir? Resguardamo-nos por detrás da culpa. Alivia-nos a culpa do outro! A culpa sendo do outro é um bálsamo para o fardo das consciências já encarceradas pelo juízo social. Para além disso, usufruir do mesmo recurso de Deus é supremo: castigar. Castigo! Como podem os crentes ser livres?! Como pode Deus ter criado o Homem, que sempre lutou pela liberdade, que trouxe tantas carnificinas que ensanguentaram a história em nome da religião, em nome do Supremo? Como podem ser livres quando têm receio sempre de serem punidos pelo que fizeram. Onde está a liberdade de acção? Porque castiga Ele? Decerto que é astuto, porque oferece como castigo a pena do incógnito; a impossibilidade de confirmar o terrível do inferno. Porque criou ele, como castigo aos vivos, o desconhecido? - o pior dos castigos!


Quero deixar já explicito um facto que dadas outras circunstancias seria um pormenor mas dada a esta situação que se avizinhará será um escândalo. Para mim escandaloso são os vossos preconceitos que não o tornam um pormenor. Os pormenores em diferentes contextos fazem a diferença, e de pormenores se passa para o extremo de magnânima importância. Este pormenor de que vos vou segredar, aliás, posso mesmo gritar – quero lá saber! Nunca quis! – fere apenas a moral colectiva deles – viram como vos protejo referindo-me a vós como sendo eles – é por isto que adoro o poder da língua, das suas figuras de retórica, de pensamento, dos seus subterfúgios, dos eufemismos, da ironia, das hipálages, dos paradoxos. Muitos podem dizer que as atitudes dos outros desde que não incomodem não se devem julgar, mas o meu caso era diferente porque incomodava. Incomodava porque assumiu a diferença. Os vossos preconceitos também me incomodam. Nunca quis deveras entrar na esfera do servilismo, sofrer a tirania social sobre as minhas condutas. Dei-me a conhecer, tentei ilusoriamente viver livre assumindo a minha identidade, mas a verdade é que nunca fui nem serei livre. Porquê? Porque ninguém o é! Só serei livre quando formos todos igualmente livres, livres de escolhas, de vontades, de iniciativas. Nunca serei livre dentro desta sociedade encapsulada de forma quase hermética. Consideram de facto que somos todos diferentes aceites pela sua unicidade de direito à diferença? Já na Inquisição se lançava à fogueira a diferença, exaltava-se os preconceitos pela diferença, erguia-se os filhos nos braços para apreciarem e se regozijarem com a agonia e a justiça que estava ser feita. Se se luta, escraviza, hostiliza, mata pela diferença porque a criou Ele então? Porque não criou Ele clones?


O pormenor que vos quero anunciar era a minha idade. Tinha 11 anos e era menstruada. É de facto uma banalidade para a história, parece. Mas as aparências são subjugadas às conjunturas; o que parece hoje e aqui não é o mesmo que amanhã noutro cenário.


(......) e o resto fica para lerem daqui uns anos.

5 da manha


São 5 da manha. Consumida pelo cansaço em que me encontro... ou melhor já não me encontro. Perdida num vago encontro de caos. Sobra-me o sentido pendurado na vertigem da alucinação. Estou em pé. Junto à janela. Afasto as cortinas. Não gosto do que vejo. E deixo-me cair. TOMBO! E não me levanto! Fico deitada. A perspectiva do nada transforma-se. Passo a vislumbrar tudo que se verga ao meu olhar, num plano totalmente subjagado aos meus pés. A estranheza do meu estado taz gargalhadas mergulhadas em mim. Só eu as oiço. Aprecio o momento...e parece que para ver melhor tenho de fechar as vistas ao mundo e ao de leve passo a lingua pelos lábios inferiores. Vejo o que quero ver. Tenho a imaginação tal e qual como a quero...aos meus pés, longe da realidade, lá longe, fora da janela. Imagino que tu estás junto a um corpo. A minha consciência impede-me de discernir de quem é o corpo. O corpo encontra-se envolto numa névoa que retira todo o seu perfil. Nem o semblante vejo. Nada! Queria acreditar que seria o meu... mas a verdade, é que ... a realidade encontra-se bem longe mas eu estou aqui. O eu consciente não larga o subconsciente. De que me interessa estar longe de todos, se tenho o maior acusatório nesta sala: EU!! Porra. Nem sequer consigo ver o que quero.

tempo que deixei restar


Iniciei-me. O regozijo da descoberta arrasta-me nas veias a adrenalina que me desencadeia a taquicardia que me faz sentir. Sentir-me!!
Penso no tempo! O tempo que me resta! O tempo que deixo restar!
Salta-me na voz o silêncio que se repete...em eco que vai murchando com o tempo.
O tempo sempre me incomoda a vontade de controlo. Saber que vivo para um dia morrer traz-me um sorriso nos lábios, mas o tempo que me auferiram à nascença rasga-me o sentido de sonhar. Cabrão do tempo! As rugas na mente trazem-me a loucura, já sentida, que será bem vinda à aceitação da morte.
O tempo foge fronte à minha retina e semicerro as pálpebras e vejo o nascimento dos actos. Se tudo entendesse que se passa dentro de mim, seria um tédio de pessoa...nenhuma. Deixo o tempo roçar as minhas vontades de viver, sem força de vontade de agarrar o agarrável. Porra! Não vale de nada a vontade quando não há oportunidade.... e o tempo sempre a lembrar-me quão inutil é um sorriso do nada, quando tudo se escorrega aos meus pés num ápice de uns anos.
Sinto a estranheza de uma vida que por vezes não sei de quem pertence. Não saber quem sou, são indagações que me imponho pelo pouco tempo que me resta e que sempre, de facto, deixei restar.