segunda-feira, 28 de maio de 2007

Estática, fujo para o vazio.

Montagem: pessoa nenhuma (reside em mim)
Deambulo descalça entre as areias deste antro em que depositaram os meus pés, sem andar próprio.
Olho e não vejo. Vejo e não olho. Vejo o vazio dentro de mim, quando não olho para o mundo. Olho o vazio e não vejo o mundo.
Olho em frente! Vejo só o corredor! Sem fim! Vejo o nada. Estranho.
Sinto-me uma transeunte perdida à procura de se perder, nesta estrada mal alcatroada que deixaram para me ver cair. Mantenho-me firme neste covil em que me colaram os pés.
Lanço o olhar, agora, para o horizonte. Vislumbro a finitude do longínquo, que nunca alcançarei. Uma estranheza entranha-me nas entranhas do meu recôndito ser.
Penso no futuro que não existe: há-de existir. Penso no passado que não existe: só existiu. E, o presente é tão exíguo, de tão pouco espaço de existência deixaram para ele - e, é dele que fujo. Fujo para o passado e para o futuro ... que não existem.

domingo, 27 de maio de 2007

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Hoje em que nada há para dizer.
Hoje em que nada há para sentir.
Hoje em que nada me apetece fazer.

Oca.

Vazia.

Apática.
Letárgica

Estranha.

sem nada de novo a dizer.
deixo-vos entretidos com alguns comentários meus às publicações de blogs dos meus amigos.


(No blog: www.hojelembrei-me.blogspot.com)

sobre liberdade!


A compreensão é nos trazida pela identificação, muitas vezes. Quase todas as vezes - acreditem, se virem mais além! poucos são nutridos de empatia. compreendemos quando olhamos para nós.
Tal aconteceu-me ao ler mais um rasgo dos teus desabafos.
A rotina - significação de demandas sempre reiteradas que nos impõem e que permitimos que o façam, retira a nossa identificação. deixamos de perceber quem somos num mundo que dita quem deveremos ser. seres traduzidos em acções e bens expostos aos olhares. acabamos por ser quase só o que fazemos e o que temos; e pouco mais sobra de nós. e nós assistimos sem ver, de olhos bem vendados e cerrados para a nossa triste atomização.
Estes teus desabafos, imprimidos em letras, palavras, são não mais do que sopros do ser que fazes por sobrar de ti!, nem que seja o sonho dos teus seres que permites que coexistam em ti. Estes não são uma terapia de solidão; poderão ser de isolamento. podes estar longe de todos. mas nunca estarás só. o mundo está repleto de seres sós - todos aqueles que não se ouvem e não se vêem. Tu ainda existes!, porque parafraseando-te "tens um mundo dentro de ti".
As gentes regidas por uma normalidade castradora, escolhida por uma maioria, saca da liberdade e da diferença que nos distingue de seres domesticados. Urra!, à diferença!! Mas os diferentes indubitavelmente sentir-se-ão despejados num claustro sem janelas. mas amigo!, leva uma vela contigo, um papel e uma caneta!



sintomatologia da liberdade.


Os utopistas criaram o mundo. (E não Deus!) É uma verdade da humanidade, mas uma mentira para os condenados à renúncia da liberdade.
Nos primórdios os utopistas deixaram, na prateleira mais próxima do céu, um manual para os seus discípulos. O manual seria um legado para os homens que se entregassem a si. Manual da liberdade, ainda se lê. Mas este foi queimado desde há muito - desde que surgiu a civilização. Restam umas páginas, pouco legíveis, mas só inteligíveis para os que se elevam até aos céus.

Das páginas que lemos (eu e tu, meu companheiro de denúncia às renúncias dos que se encontram confortáveis sentados à espera da liberdade), sublinhámos trechos para plagiar e divulgar aos outros companheiros. Ainda me lembro: e, aqui deixo nota do que lemos, para ti, que te queres juntar a nós.

Só somos livres quando nos deixamos flutuar entre estados inebriantes, que nos afundam na loucura. Há uma linha muito ténue entre loucura e liberdade e a fórmula para a felicidade é andar sempre com a borracha na algibeira.

Temos que partir para bem longe do servilismo da tirania moral colectiva, da consciência colectiva que nos atrela aos seus pés. Temos que partir para bem longe para não nos condenarem a sermos um não-ser. Sempre muito lutámos pela liberdade das massas, mas nunca abolimos a prisão que há em cada um de nós.

Temos que deixar de ir para bem longe e deixarmo-nos dormir. Livres são os que ao sonho se entregam e deixam acordar o que de si os outros não deixam conhecer. Quando muito se entrega, de forma exclusiva, ao pensamento, sem deixar uma réstia para o sonho, estica-se, intuitivamente, os membros superiores, não para os outros lhe colocarem as algemas mas, para ele próprio se algemar. Fugir dos sonhos é nos entregarmos aos julgares dos outros.
Ser-se livre é fugir dos outros. E, sonhar!! E amigo!, como diagnosticar a sintomatologia da liberdade: depois de te dares a permissão de sonhar, dá-te a permissão de te rires do que sonhaste!



domingo, 20 de maio de 2007

Rugas do tempo: Rugas do esquecimento.



Dedicado aos rostos
sofridos,
do pensamento já esvanecidos
esquecidos,
até dos entes queridos,
mas,
aqui deixo nota como são merecidos,
até de desconhecidos.




Dedicado às meninas de 90.
Dedicado a quem cuido.




Montagem: por pessoa nenhuma (reside em mim)
Fontes das imagens - net.


sexta-feira, 18 de maio de 2007

Mais retalhos da história "memórias de uma velha maluca"

Continuando (...)

3. O encontro

Seria milagre de Deus, sua bondade e generosidade? Por vezes Deus parece dar-nos permissão para a ventura, mas decerto que devemos desconfiar. Vejamos!: uma rapariga de 11/12 anos menstruada, tem as condições para procriar e contribuir para o incremento do numero populacional. Ele deu permissão à criança de gerar um homem, no entanto criou uma sociedade que a considera leviana, com vida pecaminosa se ela deixar entrar na sua vagina um pénis, que tenha orgasmos, que tenha filhos. Mais!, ele poderá castigá-la, também, pela deformidade do ser nascido daquele útero. Deus estabeleceu uma idade mais apropriada para engravidar e as mulheres que não tiverem filhos dentro desse espaço temporal poderão ser castigadas. Não são as jovens que têm de pedir perdão pelos seus pecados a Deus. Considero que Ele é que deveria pedir perdão pelos seus embustes e á posteriori vingança pelos nossos actos.
(vou saltar propositadamente o encontro entre Isabel e a miúda de rua).
Segue-se a secção em que isabel recorre a todos os recursos de manipulação para convencer Mário a adoptar a miuda de rua). Sentem-se!

4. A proposta

O arrependimento de uma vida já vivida e que não pode ser retomada transporta consigo um dos piores estados: ser-se infeliz. Tecer cenários no futuro torna as nossas decisões mais sustentáveis. Escolher pode parecer fácil – escolhe-se o melhor para nós -, mas só o é quando se sabe o que se quer ou o que não se quer. Ainda há o problema dos outros, mas tendemos a pôr-nos sempre em primeiro lugar, por isso é o somenos. Tomar opções acertadas na vida de modo a não nutrirmos remorsos só será verosímil quando sabemos efectivamente quais as acertadas – e as opções por vezes surgem num plano tão nublado, que venda a razão de qualquer um. Não é fácil! Isabel pensou; projectou-se no futuro; sonhou. E tomou uma decisão – não sabia se a acertada.

Isabel chegara a casa cansada. Estendeu as pernas, um pouco edemaciadas, no sofá. Retirou as meias que apertavam-lhe as pernas. Ligou a TV. Seria a solução ideal – congeminava ela, roendo as unhas. Passava de canal a canal. As imagens passavam-lhe na retina. Mário ainda não chegara. Era o dia que ia fazer-lhe a proposta. Fez o jantar, tomou um duche e vestiu um top e umas calças justas. Esperava com isto chamar-lhe a atenção para o que iria expor. Pensou, o momento deverá ser solene. E nem sequer quero erguer o seu pénis só de olhar para mim, se não, não converso nada. E mudou para uma indumentária mais discreta. Acendeu um incenso que lhe restava na dispensa, de modo a lançar no ar um cheiro que apelasse à benevolência de Mário – acreditava no poder persuasivo do cheiro. Sentiu o barulho das chaves na porta: uma volta, duas voltas. A porta abriu. Era Mário. Jantaram. E fizeram sexo. Nada conversaram. Inicialmente atribuiu as culpas ao incenso, que deveria estar fora do prazo ou a vendedora vendeu-lhe o que apelava à paixão. Depois, racionalmente, considerou que teria de mudar de cenário, porque aquele era o antro das penetrações infortuítas.

Sábado à tarde, convidou Mário para um passeio no lago e para jantar no restaurante da ponte. A panorâmica era deslumbrante, inebriante até!, e com falas mansas talvez o convencesse. Talvez! Mário disse que não tinha tempo, que tinha muito que fazer e que podiam muito bem fazer logo sexo sem esses preparos todos, porque a mente dele nesse dia já estava liberta dos detritos da sociedade actual, porque tinha feito uma sessão de ioga, que haviam introduzido no programa inaugural do serviço de saúde ocupacional. Sentia-se bem. Pegou nela pela cintura e lançou-a no leito matrimonial. A cama cedeu ao estremeção, mas emitiu um ranger. Ela, já sem pensar em gerar uma criança, abriu as pernas e deixou-se invadir primeiro. Convenceria-o depois a dar o passeio que ela planeara. Fez sexo com ele, mas a sua imaginação levou o seu corpo penetrado para bem longe daquele quarto. Enquanto tudo sentia e gemia de prazer, viu-se num comboio com vários homens a perguntar se poderiam fodê-la. A linguagem da imaginação não é domesticada, por isso assim como ela imaginou, assim eu conto. Sentia vários homens a tocá-la, a puxar os cabelos, a mordiscar os mamilos, a lamber as orelhas. Faziam fila para a penetrar. Fez com tantos que perdeu a conta. Sentia a vagina quente e a latejar. Deixou levar o corpo a sentir pequenas convulsões aprazíveis. Quando abriu os olhos, viu o rosto do seu marido. É claro que a história que imaginou não fazia sentido, mas quando se faz sexo não se pode estar a pensar em grandes enredos, se não perdem-se as sensações. A historieta fantasiada não foi partilhada com Mário, como já havia feito várias vezes. Enquanto o faziam, ela contava histórias eróticas e ele acrescentava sempre retalhos pornográficos, obscenos, que ela apreciava.

Ela levantou-se e foi-se lavar. Ouviu-se o som da água do duche a correr durante meia hora. Sentiu-se fresca e limpa. Acordou Mário, que se encontrava na cama de pernas abertas, de pénis murcho. Ela foi ao bar buscar um copo de moscatel. Colocou umas pedras de gelo. Ligou o rádio e sentou-se nua no cadeirão do quarto a ouvir portishead e a beber. Repousante! Revitalizante! Lembrou-se de repente do convite para o passeio para o convencer. Tinha de o convencer. Quer dizer!, não sabia muito bem se seria o melhor, mas mesmo assim estava determinada a pressioná-lo na escolha. Era melhor mudar de estratégia de persuasão. O melhor seria apelar à compaixão.

No dia seguinte, Mário regressou do trabalho, conforme o costume das suas rotinas. Isabel não estava em casa. Dissera no dia anterior que iria para Sintra escrever no seu próximo livro. Sintra era a sua musa instigadora para o encontro das melhores palavras que constróem a melhor história. Sentou-se na sala de estar. Adormeceu por breves instantes. Tocou o telefone. Levantou-se. Era engano. Foi à caixa do correio: contas da luz, da água, prospectos de viagens e duas cartas. Dirigiu-se à cozinha. Uma era endereçada para ele. Era da prima. Da prima. Sentiu o seu facies ficar congestionado. Sabia que acabara de corar. Se fosse visto pela sua mulher ela iria, decerto, desconfiar de algo. Estava furioso. Furioso! Não só se encontrava colérico pelo atrevimento da prima como também consigo próprio, pois não conseguia dominar as demandas do coração e os efeitos que este lhe desencadeava no seu sistema vascular. O seu corpo, mais cedo ou mais tarde, iria denuncia-lo. Seria o seu próprio delator. Quando nos atribuímos culpa por algum acontecimento somos invadidos por um fardo violento, capaz de estraçalhar a nossa integridade mental. Mas o seu discurso só desferia a culpa na prima, omitindo o seu sentimento de co-culpado, como se um público o ouvisse e o recriminasse. Vociferou palavrões e desferiu um murro na bancada da cozinha: que atrevimento o dela de me enviar uma carta para casa. Hei-de as dizer, das boas. Que atrasada. Nem se atreveu a lê-la ali em casa. Guardou-a no bolso das calças. Depois, com receio de Isabel a descobrir correu para a garagem e guardou-a no caixote das ferramentas. Pôs uns trapos em cima – assim não deveria encontra-la. Com tempo, logo iria lê-la. Ou se calhar nem valia a pena, porque já sabia do que se tratava. Estúpida!- pensou. Voltou para a cozinha e pegou na outra carta. O nome do destinatário no envelope era imperceptível. Abriu-a. Tinha dificuldade em ler a letra quase ilegível; parecia de uma criança que começara agora a aprender a escrever.

Meo caro senhore

So Clara
Vivo na roa. Tenho fome. So popre. Poco tenho para alen da ropa.

Mário interrompeu a leitura. Esta carta deveria ser engano, pensou. Começou a coçar a cabeça e a enrolar uma madeixa imaginária. Não era fácil auferir o sentido das palavras. Tinha tantos erros, que só poderia ser de uma criança. Continuou.

So meiga. So espeta. So trapalhadora.
Conheci soa espoza. Somos amiga.
Queria emtam pedire a voçe se me podia colhere, como se filha foçe. Podia ser voça filha. Primero podia conhecerme. Si, se calhare to a falare muto, mas desculpe precisava de ums pais que perdi os meu.


Mário interrompeu a leitura. Começou a latejar-lhe a cabeça, na região parietal. Levou as mãos à cabeça, fazendo pressão no local doloroso. Foi buscar um analgésico à farmácia que se encontrava na casa de banho. Estava tão confuso. Seria engano a carta? – pensou. Parecia que não, porque falava na mulher dele. Estava entregue a um enrodilhado de cogitações e de indagações que parecia que o estonteavam: incrível, como Isabel não me falou nesta tal de Clara? Como posso aceitar uma criança como filha se nem a conheço? Só eu! Só a mim! Mas que raio! Nem sei se estou feliz com isto, se empertigado. Se calhar estou as duas coisas. Não!: feliz não. Perplexo sim. Mas que raio! Nem sei a idade da criança - admitindo que seja uma criança – sim!, partindo deste pressuposto. E indignado, também estou: então, mas, se Isabel é sua amiga não me disse porra alguma. Que diabo! Pegou novamente na carta com firmeza. Abanou a carta várias vezes, de modo a esta ficar rígida, tal qual ele se encontrava: corpo hirto e espirito absorto. Puxou as calças para cima. Cismado, leu novamente a primeira parte da carta e depois, avançou na leitura.

Pa acabare, queria falare pa pensare bem. Pudiamos conbinare uma saida os 3. Desejo muto, muto qe goste de mi.
Fale com sua espoza pa conbinare.

Clara, tenho 11 ano.
Desculpe os erro mas andei poco na escola. Mas aprendo rapido.

Perplexo dirigiu-se para a sala, deixou cair o corpo inerte no sofá e releu a carta. Releu-a e releu-a, como se conseguisse descobrir algo mais lendo-a muitas vezes. Pensou inicialmente que seria uma brincadeira de criança. Depois acreditou (a força do querer tornou-se sobreponível à força do crer) que as palavras até teriam alguma veracidade, mas que as duas não seriam assim tão amigas, como a tal Clara fazia parecer na carta. Acreditou que Isabel, quando soubesse, se iria rir. Sentindo-se mais relaxado, deixou o corpo escorregar pelo sofá. Deitado, olhou para um ponto – qual não sei- e imaginou os dois a rirem-se do atrevimento da pequena menina, desventurada na vida. Com este pensamento, esboçou um sorriso e considerou que estava a ser pateta ao se assustar daquela maneira com aquela carta. Mais perigosa se afigurava para o seu futuro a outra carta: a da prima. Dominado pela raiva, ergueu o corpo de rompante do sofá. (Gosto sempre de frisar o sentimento que se apodera da pessoa, precedente de qualquer acção. O sentimento tem um poder único de comandar o corpo e os seus movimentos de uma forma muito sui generis. A brusquidão dos movimentos é sempre consentâneo com sentimentos possantes e violentos. A leveza, a delicadeza dos movimentos são sempre demonstrativos de estados emocionais moderados, indicativos de tranquilidade). Já com os pensamentos focalizados na primeira carta acabou por se dirigir ao telefone para dar um bom responso à prima. Que burra! Deitar tudo a perder desta maneira. Eu já lhe digo umas tantas -. Terminadas estas palavras rugidas, Isabel entrou em casa, e interpelou-o no sentido de averiguar a quem se dirigia ele: era a mim que te referias? Ah!, que ideia a tua. – retorquiu ele.- Tens com cada uma. Não, não é nada disso. Estava-me a referir à Dina do escritório que denunciou uns clientes sem me pedir opinião. Enfim, estava a resmungar sozinho. Coisas do trabalho. Bom, ouve lá, precisava de falar contigo um assunto importante. Quer dizer, acho que é importante. Olha lá, despe o casaco. Aqui está calor. Não sentes calor aqui? Temos que comprar mais ventoinhas. Ou se calhar, temos que optar pelo ar condicionado. Este verão tem sido uma brasa. Insuportável. Bom, não interessa. Estava eu para te dizer que, recebi uma carta de uma tal Clara, sabes quem é? Isabel, com um ar meditativo, volveu, Clara?! Clara?! Eh pá!, só estou a ver uma miúda amorosa que conheci há uns tempos ... é uma miúda de rua, estás a perceber? Pobre. Órfã. Coitada da miúda. Por acaso, tenho pena dela. Era para te ter falado dela, mas ando tão absorvida pelo meu novo romance que me esqueci. Mário deu-lhe a carta para as mãos e ordenou-lhe que lesse. Isabel não conseguiu ler a carta toda. No desempenho de sua teatralidade, ela começou o seu pranto dramático, sacudida por fortes solavancos desencadeados por um choro convulsivante. Lançou-se nos braços do marido e entre soluços balbuciava uns monossílabos que pretendiam ascender a palavras, mas que acabaram por se tornar sons imperceptíveis: eu, eu ... ahh! Coi...coi...da..da!! Má...Má...io...io!! - Ele pregou-lhe um ar tranquilo e controlado: respira fundo e tenta falar pausadamente, se não, não percebo nada do que me queres dizer. Pegou nas mãos dela e levou-as ao seu peito, junto do coração. Esfregou-lhe o cabelo macio e sedoso. Deslizou as mãos pelo pescoço e fez-lhe uma breve massagem. Ele estava habituado a estes ataques de histeria, apelativos de sua atenção. Sabia que eram manobras de compaixão (ele evitava pensar que eram efectivamente manobras de manipulação), de modo a conduzirem as suas decisões ao seu propósito. Cansado daquela atitude hiperbólica de sua esposa e desejoso que aquele funesto dia, parecendo interminável perante os seus limites de resistência diária, acabasse, ele acabou por sucumbir à atitude drástica mas de rápidos efeitos: à agressividade verbal de modo a compor alguma ordem e paz ao momento. Os vizinhos com certeza que ouviram o grito vindo da moradia nº 513. Cala-te! - Mais calmamente ele sublinhou: cala-te! Acalma-te, se não não chegamos a lado algum. Por favor! Senta-te no sofá. Vamos conversar. Conheces esta tal Clara, já percebi. Já percebi que sim. Pronto! Estou metido numa alhada, também já estou a começar a perceber. Sabias que ela pretendia que a adoptássemos? Já sabias disto? Mas, que bela encrenca que me arranjaste. Desembucha. Isabel ficou atónita a mirá-lo desde que ele lançou o grito e desde então não ouviu mais nada, só pensava: isto não resultou. Este não foi um bom dia. Devia ter sido o dia da yoga, que ele vinha relaxado e a decisão iria ser tomada de animo mais leve. De certeza que ele hoje não foi à yoga. Ainda para mais este problema com a Dina. Que cabra, lixou-me tudo. A culpa é dela. É dela. Cabra. Nunca gostei dela. Incrível como os pensamentos de Isabel já derivavam na Dina, que já nem lá trabalhava, na realidade. De repente, ela sentiu que estava a acordar de um coma profundo e começava a ouvir um murmúrio, lá ao longe – era a voz de Mário. Deparou-se com ele a olhá-la fixamente nos olhos, bem de perto, e quase a sussurrar-lhe vagarosamente, Isabel! Isabel! Estás-me a ouvir? Estou a falar contigo. Diz-me lá: conhece-la? Queres o quê? Ela quer o quê? Vá lá! Por amor de Deus, fala. Estás-me a ouvir? Querida, desculpa ter gritado contigo, mas estou cansado. Fala! De chofre iluminou-se uma ideia a Isabel: durante toda a sua vida havia aproveitado como aliada a fraqueza dos outros, subjugada à sua mercê. (As gentes na demonstra de suas fraquezas individuais estão a munir os persuasores de autênticas armas de manipulação. Daí se infere, igualmente, que muitas vezes, os opressores se identificam como tal ao identificarem os seus opositores, os oprimidos. Os primeiros acabam por deportar a sua própria mesquinhez quando a balizam nos outros. A subserviência dos fracos aos fortes é o corolário de uma diferença perniciosa criada por ambos - sim!, não julguem que vos direi que é uma diferença criada pelos fortes. Pretendo ser propositadamente redundante!: a diferença é criada por elementos discrepantes e só assim. Mas, de facto, ambos ignoram que estão somente a contribuir para a clausura de entre iguais e a sua própria clausura.) Iria levá-lo à exaustão até ele ceder ao seu querer. Isabel lançou-lhe um olhar penetrante, complacente. E fora esse olhar o persuasor da decisão de Mário. Um olhar. Um único olhar. Ele apressou-se a alvitrar, ok, queres tu dizer o quê? que a queres adoptar? Mas eu quero um filho meu. Dos meus genes. Meu!!, ouviste bem? Era o momento da derradeira palavra. (A palavra certa é capaz de mudar destinos de vidas, de percursos da história). Vagueou o olhar pelo tecto. Levou as mãos aos bolsos e deixou-se cair no sofá. Mário mirava-a, não conseguindo prever os seus jeitos, o seu discurso, não conseguindo perceber sequer o destino do olhar de Isabel. Impaciente, levantou-lhe o sobrolho e bateu o pé esquerdo compassadamente no soalho da sala, emitindo um som inexorável que levantava no silêncio uma inquietude penetrante nas suas almas. Ouve meu querido. A decisão é tua. Eu gosto, de facto, da Clara, não o vou desmentir. Ela nunca me tinha falado no seu desejo de ser adoptada. Acredita em mim, querido! Vou-te contar como a conheci. E foi assim que ela deu inicio ao dialogo, que já não haviam tido algum desde há muito. O primeiro dialogo, retomado de há muito, fora sobre mim. A minha adopção. Ela pegou-lhe no punho e puxou-o para junto de si, no sofá. Ela falou durante muito tempo e ele retorquia, com ela a escutar atentamente as suas intervenções orais, porque assim lhe convinha. Era do seu interesse, entregar-se ao dialogo, retendo cada palavra, cada pausa, cada esgar, como se daí conseguisse prever a sua decisão. Querido, findou ela, eu não sabia. Mas, se ela teve esta coragem revela que é decidida e que gosta deveras de mim. O facto de a adoptarmos, ou se preferires, de a acolhermos em nosso lar, não significa que não podemos ter um filho nosso. Podemos continuar a tentar, com tempo, percebes. Pode ser que entretanto, como estamos distraídos com a Clara, na sua integração em casa, na escola, consigamos ter outro filho, quando menos esperarmos. Não sei, querido. A ideia, não me parece nada desfavorável, digo-te já. E de forma astuta, ela travara, de chofre, o seu discurso, pois vira no rosto de Mário, um prenuncio de uma decisão auspiciosa ao seu querer. Mário afundou-se em divagações: Isabel é brilhante. Nada como ter uma criança para livrar a mente de augúrios que contribuem para a infertilização num homem. No prazer consumido em jogos de distracção nascerá o meu filho feliz e saudável. Já havia tido indícios do destino que não seria na obrigação de afazeres de dois corpos deitados, jogados ao abandono da sorte, que conseguiria um filho. Eu tornei-me parte integrante no prelúdio de uma fase mais prometedora para o casal, mas assim não o foi por muito tempo.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

You Know I'm no good!!
(Amy Winehouse)

terça-feira, 15 de maio de 2007

Já são só corpos!!

Se quereis ser feliz, sê ignorante...e inútil. Sê espectador, como todos os profanos. Assiste, então, feliz!

Caro Darwin, sabemos ser produto de evolução, mas não seremos nós os antepassados dos símios?!

Insanos rompem a brusquidão da paz. Todas as partes constróem, moldam, prestadores de vassalagem à pátria. Pelo aperto de mãos se acorda o sofrimento de um povo. Os seus nomes assinados são os juizes da pena das gentes.

Direitos humanos proferidos, muito defendidos, espezinhados pelos tanques. Pena do vivo penar é a morte da honestidade, nesta animalesca humanidade. Salvaguardados só por quem sois, mobilizam forças inderrubáveis pelo poder do povo. Engavetaram-lhes o poder inato de questionar, de refutar.

Vai-se desfolhando o dia-a-dia, sempre agarrado a um sonho tricotando a esperança. Fuga é a possível escapatória.

Terror impele mãos à cabeça e impede que estas peguem na mala das suas vidas. Estremece pelo silêncio das armas. Tremelica! Desfere o medo no gatilho. Ensurdece pelo seu estrondo. Morte amortecida pelo milagre negado de podridão. Já são só corpos esculpidos pela dor.

Lembrança caridosa dos que sabiam que cá ficavam sobre os que não sabiam que partiam. E, já são só corpos! Passado vai sendo sepultado, varrido pelo tempo, retido nas lágrimas dos filhos da guerra. Vidas esquecidas, esvanecidas no olhar do tempo.


Já são só corpos.

MEU POVO: por AMOR a DEUS façamos GUERRA em outro POVO


Não tenho chão; mas, tenho o mundo da ilusão!!

Vi-te!
Ouvi-te!
Senti-te!
São os enganos dos sentidos,
No reino dos sentires pervertidos

Senti o sopro da tua voz;
Depois, um beijo mordido.
O teu desejo despiu-me felinamente o corpo já prometido.
Prometido!,
Mas não comprometido.
Prometido só
Á morte.
E é só!

(Mas, sinto que não palpas o meu instinto,
Nem tacteias o que sinto.
Eu sou saudade já balofa.
Sou lágrima já esquecida,
Mas que não deixa ser sentida.
Gostaria vislumbrar os contornos do teu rosto
No retrato da minha vida consumida.

Não consigo perceber
Se me encontro aqui ou lá.
Não sei!, porque não me encontro,
Enquanto te tento esquecer,
Neste silêncio morto.


Tento,
Sem tento,
Olhar além do além,
Tanto aqui como acolá.
Parece que a palpo - a lucidez.
Mas é pura embriaguez.
"Cai uma folha para o céu.
Voa um nenúfar para a boca do inferno
Em pleno inverno".
Não! Não há tento.
Não há!
Só há
Um tanto lento pensar.

Muitas vezes não conto o fim,
E julgam que terminei.
Nestes versos comecei pelo fim,
Mas não terminei,
Só dispersei.)

Dizia:
Vi-te!
Ouvi-te!
Senti-te!
São os enganos dos sentidos,
No reino dos sentires pervertidos

Vim-me!
Ouvi-me!
Senti-me!
E, culpei-me por plagiar os gritos que sufoquei outrora.
Tu!, apreciaste entre sentidos o monte que adivinha prazer.
Sentiste os meus lábios já intumescidos.
Abriste-me o capuz.
Senti-me em ti.
E vi luz,
Nessa hora.
Até frémito senti!
- Não na alma.
Senti-o em mim,
Em júbilo que depois me acalma,
Em tempos de quimera tão suspirados.

Não tenho chão.
Mas, tenho o mundo da ilusão! ;)

domingo, 13 de maio de 2007

Rascunhos no café Nicola



Com gotas de café
Nas papilas.
Lembro-me que me sopraste a fé,
Dos meus resquícios.
Sobrou-me apenas o sabor dos vícios,
Nos meus interstícios.

Andas descalço
Em cima de mim sem sentido
E eu sinto o estômago a gelar.
No teu encalço
Deixei há muito o sentido
Cair e se estatelar.

Já no termo
Encontras apenas
O meu ser ermo
Sem eira
Nem beira.

Com gotas de café
Nas papilas.
Vejo-me enclausurada em cerradas esferas
Onde cogito para os meus rascunhos
Em tempos de boas esperas.

Auguras
As minhas beiças caídas
Nutras saídas.
Perfuras
Minha ternura
Que permiti cair em desventura.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Para quem queira descortinar o insondável, não tente pegar pelo fio da linha temporal

Apenas são as minhas palavras.
São palavras
Retiradas do baú do passado, revistas no presente.
São palavras
Do presente já nascidas em ventre nú, morto.
São palavras
Surgidas de um vago pensamento, solto e dilacerado nas próprias palavras.
São palavras
Que se compõem para formar um pensamento.
São palavras.
E, só palavras

Palavras do silêncio

Serão as palavras o meu refúgio?
Será a plurisignificação das palavras o brinquedo que tenho entre os dedos?

Será que o pensar em ti me dá desalento aos ânimos, mas a loucura que preciso para soltar as palavras? Quero pensar que sim. Não penso em ti por ti, nem por mim. Penso em ti, porque me lança para o caos fraseológico, que tanto me apraz. Apraz-me conviver com a loucura que deixo viver - dá-me liberdade.

Prefiro que sejam as letras do silêncio.
Prefiro que estejam longe dos julgares que tentam calcar o juízo que quero perder.
Quero calar a palavra que ouvem.
Mas, quero exprimi-la.
É um brinde! Um brinde à vida.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Visto a indumentária de camaleão

Viva
o moscatel!!
3 URRAS!!
Viva
a versatilidade de pose
Viva
as incongruências de espirito
de quem veste a indumentária de camaleão.
Viva
o moscatel!!
3 URRAS!!

terça-feira, 8 de maio de 2007

bailado entre estilhaços

Paira à tona de água
Uma vigração,
Há uma vaga mágoa
No meu coração


Não é porque a brisa
Ou o que quer que seja
Faça esta indecisa
Vibração que adeja,


Nem é porque eu sinta
Uma dor qualquer.
Minha alma é indistinta
Não sabe o que quer.


É uma dor serena,
Sofre porque vê.
Tenho tanta pena!
Soubesse eu de quê!...
(Fernando Pessoa)



As minhas vistas passam por estas letras. assumem significação quando há identificação. de tanto vislumbrar o facies da sofrega alma nas letras que li, dignifica-me o vazio. vazio a bailar. como revejo quem eu não sei quem sou!! penso, pinço grandes ilações da magnânima verdade que julgo haver em mim e ...torno-me a encontrar a bailar:
sem saber quem sou;
e, sem saber a vida que tenho de quem pertence.

Acrescento pessoa. não da minha pessoa. a do poeta. alma de poeta que há em fernando e não em mim.

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.


O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.


Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
(Fernando Pessoa)

O meu vazio que traz e prega à alma um caos, recolhe-me todas as vontades e dá a mão à inércia. Deixo-me entregar. Quero-me entregar. viver no vazio é deixar-me cair no sonho. e sonho em ti. sonho em nós. nós só em sonhos.

nada me preenche.
nada me enche.
nada me intumesce.
tudo me foge ao senso.
tudo me interpela a pouca lógica que faço restar em mim.
tudo de ti me reitera a toda a hora e a todo o momento.
um sopro traz-me o teu rosto de volta à algibeira dos segredos. nada mais me resta. incrível que é: ter apenas a ilusão de te ter tido. só me resta a ilusória traição da memória dos momentos que vivemos. Entendes? só me resta o que não vivemos; mas, o crer e o querer viciam-me as lembranças retiradas à pinça da memória. Entendes? como me irrita o que sobrou de ti em mim, porque me deixou muito pouco espaço para mim. tanto que por vezes não sei o que quero de ti nem de mim. como aprecio a tua tristeza que vive em mim, quando pensas em mim, por me teres em vontades, mas não me teres em matéria. aprecio o teu sorriso que vive em mim, quando tu me escutas ao longe, de tão longe, bem de longe. Mas sei-o!, que quando pensas em mim, tomas-me por quem eu sou em mim. pouco sentes o que há de mim em ti, porque muito pouco tens de mim em ti. muito pouco há de sentires. sei-o!, que quando falas para mim, falas para mim. como queria que quando falasses para mim, falasses para dentro de ti - eu existiria em ti.

nada me preenche.
nada me enche.
nada me intumesce.
tudo me foge ao senso.
tudo me interpela a pouca lógica que faço restar em mim.
tudo de ti me reitera a toda a hora e a todo o momento.