terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Boas festas.....amigos e poetas!!!

terça-feira, 23 de outubro de 2007

a todos...a voces...aos fieis!!......


Deixarei de existir durante uns tempos....voltarei talvez um dia....quando voltar bater-vos-ei à porta!!!!
Deixo-vos com as reticências da minha vida que por vezes somos obrigados a deixa-las perdurar um pouco nela...por vezes são a única solução.
já sabem: fiquem sempre bem....sorriam para a vida!!!

(...)

sábado, 13 de outubro de 2007

Fusão dos corpos...

Segundo a mitologia grega, a humanidade era constituída pelos Andros (de entidade masculina composta por oito membros e duas cabeças), pelos Gynos (de entidade feminina de características semelhantes aos andros) e pelos androgynos (compostos por metade masculina, metade feminina). Eles exprimiam a totalidade, o poder, o ser absoluto. Com o decorrer do tempo, estes conseguiram superar os deuses em várias artes. Os deuses, com inveja, revoltaram-se. Então, como castigo, Zeus separou-os com os seus raios. Cada um foi cortado em duas partes, passando a sentirem-se mais fracos e incompletos. Estes seres mutilados passaram a procurar em toda a parte a sua cara-metade, a sua alma gémea.

Sempre que se encontram, ainda hoje, a atracção é tão forte, que os corpos desejam restaurar a antiga perfeição, entrelaçando-se e tentando fundirem-se. No entanto esta fusão é sempre momentânea e condenada a desaparecer, para que a identidade sobreviva e cada um possa continuar como um ser individual.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Felicidade...o que nos diz Aristóteles...


Felicidade é ter algo o que fazer, ter algo que amar e algo que esperar...

Aristóteles

A felicidade é o fim completo da vida humana, o único fim que não visa promover um outro fim. A felicidade é um fim em si mesmo que consiste numa acção virtuosa. Não é um estado, mas sim uma actividade, a mais auto-suficiente de todas.


Aristóteles acreditava em três patamares para se ser feliz: o 1º: uma vida de prazeres e satisfações; 2º - uma vida como cidadão livre, responsável, que procura o fazer o bem; 3º - procura da verdade. Neste último patamar ele aponta para uma vida como pesquisador e filósofo. Para tal é necessário tempo livre. Ninguém pode estudar sem momentos de ócio. Quem dedica todo o seu tempo à conquista da sua sobrevivência ou à procura gananciosa de mais riqueza dispõe de pouco tempo livre.

A característica fundamental da moral aristotélica é o racionalismo, visto ser a virtude acção consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico, da natureza e do universo, natureza segundo a qual e na qual o homem deve operar.

Uma doutrina aristotélica a respeito da virtude, embora se apresente especulativamente assaz discutível, é aquela pela qual esta é precisamente concebida como um justo meio entre dois extremos (não devemos ser nem covardes, nem audaciosos, mas corajosos, nem ser avarentos, nem extravagantes, mas generosos). Este justo meio, na acção de um homem, não é abstracto, igual para todos e sempre; mas concreto, relativo a cada qual, e variável conforme as circunstâncias, as diversas paixões predominantes dos vários indivíduos. Portanto, para ele não implica que, apesar da virtude ser um hábito, todos nós não façamos desvios na nossa trajectória de vida por deliberação e decisão, desde que não caiamos nos extremos, ficando retidos neles, agarrados a um vício. Deve-se retomar o meio dos dois extremos, fazendo o caminho a caminhar. Se a virtude é, fundamentalmente, uma actividade segundo a razão, mais precisamente é ela um hábito segundo a razão, um costume moral, uma disposição constante, da vontade, isto é, a virtude não é inata, como não é inata a ciência; mas adquiri-se mediante a acção, a prática, o exercício.

Ora, esforçar-se e trabalhar com vistas na recreação parece coisa tola e absolutamente infantil. (...) A relaxação, por conseguinte, não é um fim, pois nós a cultivamos com vistas na actividade.

Aristóteles


O conceito de felicidade para Aristóteles é inverso a uma vontade de parar. O cansaço, talvez causado por uma falta de propósitos, assola a muitos. Não imaginam o que sempre me abalou quando os jornalistas perguntam às pessoas o que fariam se ganhassem o euromilhões. A resposta corrente é transversal a uma maioria: passa sempre pela vontade de parar. Para Aristóteles felicidade é agir. Constantemente. E agir bem, graciosamente, na justa medida: no tempo correcto, na intensidade correcta, na direcção correcta. Mas esta busca pelo bem Aristotélico não tem nada em comum com o conceito de bem cristão: Não está ligado à bondade e à resignação. Mas é sim um bem viver, ligado à excelência (bem fazer). E também não é uma idealização retórica ou utópica, separada de nossa vida prática. É algo que podemos efectivamente alcançar em nosso agir, tornando-nos mais felizes em cada mínimo acto.
(o supracitado é o corolário do que aprendi nas aulas de ética, de trechos da net e de alguns pareceres meus. )

És feliz? Eu?

O primeiro patamar alcancei-o como uma necessidade básica humana. O segundo patamar consegui atingir assim que fui enfermeira, que tanto me realiza. No entanto, como devem ter reparado sempre considerei-me estranha, no sentido de não me conhecer. Hoje penso que nunca me deverei conhecer. Nem o quero. Porque esta procura da minha verdade deixa-me mais feliz do que se já achasse que me conhecia. Achar, sublinho. Tentar contemplar, em frustres momentos, a consciência anónima traz-me confusão, mas deixa-me no último patamar defendido pelo autor. Procurar na fundamentação tão reiterada pelos outros tento encontrar a minha verdade. Não só contemplação. Encontrar o mundo quero faze-lo a caminhar e a procurar nas páginas as respostas. (O curso de filosofia abrir-me-á janelas. As portas quero-as fechadas.)


sábado, 29 de setembro de 2007

Hoje tornei a ver-te..olhos nos olhos...

Hoje tornei a ver-te. Hoje os nossos olhares tornaram-se a cruzar, inevitavelmente.
O teu olhar negro torna-se carregado na tua tez morena. Os teus olhos cativam o meu querer. Um olhar sedutor de um negro provocante.Tremelico. Hesito no sentido do olhar. Deixo-me perder em ti, de quando em quando. Deixo-me hipnotizar, porque gosto de tremelicar. Sentiste no meu olhar a melodia das palavras caladas? Sentiste no meu olhar os meus anseios contidos e escondidos? Aguardo pelo teu olhar.

almas insufladas guerras desejadas



"O que incita as pessoas a erguerem o punho, a pegarem numa espingarda, a defenderem juntas causas justas ou injustas, não é a razão, mas a alma hipertrofiada.

(...)

Na origem da sua luta encontra-se um amor exacerbado e insatisfeito pelo seu eu, ao qual ele deseja dar contornos bem nítidos, antes de o enviar (realizando o gesto do desejo de imortalidade (...) para o grande palco da História sobre o qual convergem milhares de olhares. (...)


A existência de ideias, cujo valor é considerado mais alto do que o da vida humana. E qual é a condição das guerras? A mesma coisa. Obrigam-te a morreres porque existe, dizem, alguma coisa que é superior à tua vida. A guerra só pode existir no mundo da tragédia; desde o começo da sua história, o homem apenas conheceu o mundo trágico e não é capaz de sair dele. A idade da tragédia só pode ser encerrada por uma revolta da frivolidade. (...) A tragédia será banida do mundo como uma velha cabotina que, com a mão no peito, declama em voz áspera. A frivolidade é uma cura de emagrecimento radical. As coisas perderão noventa por cento do seu sentido e tornar-se-ão leves. Nessa atmosfera rarefeita, desaparecerá o fanatismo. A guerra passará a ser impossível."

Milan Kundera

domingo, 23 de setembro de 2007


Duvidar de si mesmo é o primeiro sinal de inteligência
(Ojetti, Ugo)

É preciso ter dúvidas. Só os estúpidos têm uma confiança absoluta em si mesmos.
(Welles, Orson)


sexta-feira, 21 de setembro de 2007

hoje


hoje nada desejo. hoje ninguém desejo. sinto-me estranha por sentir falta do sentir da falta. hoje sinto-me tão indiferente ao desejo de ontem. hoje vazio. hoje o vazio empurra-me para a dança. yupi!!! dançar até suar.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Encontrei a voz dos ditadores. Encontrei o rosto da fome


Vocifera-se a pena
em discursos cuspidos
que nunca salvou o seu penar.
Entre apertos de mãos
acorda-se quantas migalhas se vão despejar
sem a fome calar.

Oferecidos ao solo
pereceram já de sentença registada à nascença
pela posse de melanócitos acusativos da vislumbrada diferença.
Diferença móbil para ditar o dialecto do poder.

Encontrei-os já de mucosas cianosadas
em semblantes apáticos
em corpos prostrados.
Serão depois apenas matéria que será esvanecida
restando, apenas para alguns de nós, a memória sequiosa de ser esquecida.

sábado, 15 de setembro de 2007

para quando me leres: foi hoje...


Hoje conheci-te. memorizo este dia.
Hoje conheceste-me. memoriza este dia

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Reticências da vida não me deixam caminhar

Parte I Julgo a minha vida tão oca de vazios misteriosos. Parece o desfrutar de toda aspiração. Julgo a minha vida tão recheada por tudo apreciável pelos curiosos. Parece um aglutinar do esvaído que sobrou da fumaça que sofrera expiração. Julgo a minha vida tão sem nada entre as cortinas. Parece um novo sentido nos ponteiros que norteiam as rotinas. Julgo a minha vida tão cheia de tudo o que é intolerável pelos invejosos mirado nas suas retinas. Parece a utopia em que todos ambicionam acreditar. Julgo a minha vida um embalo para o éden eu visionar. Parece um sorriso que se rasga em riso na fácies e esta se esfregar na fronha de cor âmbar.
(...)

Parte II
Mas se assim é, porque me sinto eu assim?(...)
Parte III
Será ela incompleta ou serei eu que nem sequer sei o que rematar? Serei feliz por ela estar incompleta? Desejarei eu o facto de faltar uma sua parcela, a descobrir, para continuar a sentir o sentido da falta? Terei eu inventado quase desde sempre o poder da falta? Terei eu descoberto o segredo da minha ventura ao ter inventado o que me incompleta? Serei eu de matriz ditosa ou inventei-me de tanto acreditar que sou assim? Continuo sempre com um sorriso para às escondidas definhar em curtos e sumidos ecos que vou escutando desde sempre e para sempre, ao que parece.(...)
Parte IV
A esperança nunca foi amiga para prosseguir para a tão desejada quimera. A esperança nunca deixou fazer o divórcio do pretérito que ainda deixo restar nesta agrura. A esperança é aquela que transporta toda a culpa que descarrego de cima dos ombros do desejo que auguro. A esperança lança-me os sonhos para os olhos como de poeira nefasta se tratasse para um são acordar. A esperança desenha-me o futuro que desejo e que se entrelaça com a virtualidade como parasita afastando-me da realidade que até nunca me amargurou.
(...)

Parte V
Porque me sinto eu assim, se sou feliz?
(...)
as reticências não me deixam caminhar
(...)

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Querido presidente do mundo!!

Querido presidente do mundo dedico-lhe mais uma publicação para si.

sinto-me...

Sinto as pálpebras cada vez mais a pesarem-me. Forço por as manter abertas. A força de gravidade contraria-me a pouca vitalidade aliada à meia vontade. Pestanejo para despertar-me os sentidos e não dispersar as sensações. Desisto. Fecho o olhar. Sinto-me.
De mãos atadas sinto a pele, parecendo que tacteio a epiderme e não sendo ela que me permite sentir o mundo com os seus receptores de merckel. Sinto as rugas periorbitais, como se de repente tivesse deixado fugir todo o colagénio e elastina de ontem para hoje. Franzo a testa. Sinto a pele endurecida nesse espaço do meu rosto, coberto com uns folículos pilosebaceos compridos, caídos, leves, negros que não me passam despercebidos ao entender o meu rosto. Sinto o ar a invadir-me entrando pelas narinas, lembrando-me que o respiro. Ar profundamente inspirável, vida acrescida, parece. Esboço um esgar, a que chamam de sorriso. Sinto-me.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

A vontade própria entregou-me à confusão?

As cefaleias que as insónias me trazem levaram uma parte de mim. As insónias são trazidas pela memória. Não durmo porque quero comprazer-me com as imagens que se repetem fronte à retina – parece-me. As imagens foram-me deixadas na última bagagem entregues em mãos pela vida à memória. O último episódio ficou retido na memória e todo o resto passou a ser nada. O último episódio que ficou encalhado na memória retirou espaço para todos os outros que possam ser-lhe sucedâneo. O esquecimento não enfrentará tão depressa obstáculos. O esquecimento não encontrará, com a tal brevidade esperada e desejada, o caminho de volta. E a vida para continuar sempre precisou de uma dose temperada com esquecimento para sobreviver – não verdade minha; verdade universal – se é que ela existe.

Perscruto tanto na razão os motivos do que senti e do que sinto, do que sempre desejei e estupidamente ainda desejo e nunca encontrei ilações do que me pareceu sempre ser tudo e que me continua a parecer que é tudo hoje. Sou confusa. Acho que a confusão já não é um estado. Nunca entendi bem se me deixo entregar à confusão, porque esta me deixa inebriada pela vida, recriando-a, ganhando tonalidade vista nos dias. A vida regada com confusão acorda-me para tudo o que me rodeia dentro de mim. Nunca entendi muito bem se me deixo entregar à confusão por causa das cogitações ou se tenho apetite dela porque depois me entrego a elas como almofada para não descansar. Claro, que não me parece haver coerência quando logo à partida estou a divagar sobre o conceito confusão. Não parece coexistir linearidade, coerência, lógica no conceito de confusão. Mas como gosto de me agarrar à razão para ver se me clareia os pensamentos e vislumbrar o eclipse de vez da maltida (ou feliz) confusão. A verdade é que sempre me agarrei à razão como ancora e ela nunca me salvou. Também não sei se quero ser salva. A verdade é que a confusão sempre me largou estranha, estranha comigo mesmo – o que é deveras estranho. Mas a confusão nunca me deixou derramar uma única lágrima que fosse capaz de se esfregar no meu rosto. Nunca. Óh funesta sorte!!!!

vê a verdade que te escondem

coloco as mãos à cabeça. e....as mãos continuam na cabeça, sem de lá sairem. nada fazem. mas pelo menos não vedam a vista.


video: free me de goldfinger

quarta-feira, 22 de agosto de 2007


Quando desejamos pomo-nos à disposição de quem esperamos

La Fontaine

domingo, 19 de agosto de 2007

quase 4 da manhã....


entrei na escuridão sem nada ver do que vias. vias-me sentada fronte ao teu negro queixume, que sempre me convidou a enterrar o queixo no teu ventre nu. o teu ventre nu despista-me o olhar para o céu nublado, cinza, para esconde-lo entre a palma da mão. a palma recolhe o meu medo, de não te ver na solidão. na solidão sinto o vazio que te preenche, que sempre pontapeou a distância que nos aproxima entre olhares. olhares que se cruzam na troca de segredos partilhados, esquecidos outrora, relembrados pelo esquecimento do nada. nada! sinto a invasão do nada, em que nada me norteia o sentido do dever. sinto o dever da loucura que me lança para a escada, em que tropeço até ao fim. o fim configura-se-me sempre como o inicio do teu sorriso, que sempre não quis ver. não quis ver a lágrima que há-de cair para o chão enlameado do teu quarto, onde recolho o meu corpo. o meu corpo reencosta-se na sabedoria do teu fazer bailar a anca. a tua anca sempre ensinou o meu prazer a ir tão longe, tendo poucos visto a sua longevidade. a longevidade que pretendo alcançar contigo ninguém viu, entre os secretismos sofridos por todos, nunca desvendados por nós. nós enroscamo-nos um no outro, sempre com vontade de dar mais vontade ao outro. o outro encosta o seu ombro nas nadegas descansadas. descansamos juntos no desespero de confiarmos o pleno sentido do sentir. sentimos o que o outro quer que sintamos. queremos largar-nos nos desencontros para não sermos rotineiros nos prazeres. prazeres que nem sempre me tocam, mas tocam o desejo de ser tocada. tocada sempre. tocar sempre. sempre a bailar a bacia, de convulsões vistas no culminar; entregue entre as tuas duas pernas, que me entalam. entalada encontro o acordar do estado vigil. estado vigil que devo ter perdido enquanto adormeci entre marteladas que me ofereceste e eu agradeci. agradeci ao invés de adormecer com o copo entre as pernas relaxadas. relaxada vejo melhor o que te fiz e deixei de fazer. deixei de fazer o que sempre gritaste em desespero ao ouvidos dos outros e eu não entendi. não entendi o que te fizeram sem mim. sem mim não queria que te entregasses ao bailado. ao bailado só com a presença do meu corpo desvairado de levar muito de todos. de todos sempre desejei partilhar o que todos temos e pouco oferecemos.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Sonhar...nem sempre em sonhos!!



Já estou a ser invadida pela necessidade de dormir, mas resta-me ainda a necessidade de invasão da vontade de dormir. Quero sonhar acordada, poupando horas ao tempo num sono. Quero sonhar com o disponível em memória.

(...)


Contudo, no sonho pouco partilhado por mim, em corpo repousado, sinto-me mais verdadeira do que quando acordada, enquanto juíza acordada, sempre que nego os sonhos.


Sinto-me mais povoada em sonho dormido. Deixo as outras pessoas visitarem-me livremente nos sonhos. Deixo as pessoas que coabitam em mim ressuscitarem nos sonhos. Nunca sonharíamos se fossemos um ser único, acreditem. Quero acreditar. Gosto de acreditar.
Deixo sonhar a promessa do impossível, porque sei que me privo dele assim. Deixo ter ilusões em sonhos.


Quero acordar e lembrar-me do que sonhei. Sem memória nada existiu. Não quero sonhos descartáveis; senão prefiro sonhar acordada com o disponível em memória. Ora deixem-me sonhar acordada!! ora deixem-me sonhar a dormir e lembrar-me do que sonhei!!

sábado, 4 de agosto de 2007

nunca mais os vi....nunca mais os vi....

sentem-se na mesa! sim, também me sento, obrigado. estão confortáveis? sim, também estou, obrigado. inquieta. sempre inquieta, mas confortável. o ar condicionado já está desligado. deixemos a conversa banal para depois. oiçam o que vos digo: por vezes deixo de desejar-te. não sei porquê. a ti, sim! mas assim que fantasio deixar de te ter, enquanto meu objecto de desejo, passo novamente a desejar-te... e a ti ... também te desejo, mas receio que por vezes vá deixar de te desejar. também. sei-o. a ti também, sim. e logo passo a desejar-te mais a ti. sou assim. e, prontos. entendem?! por vezes quero entregar-me à descoberta dos outros, quando entregues ao seu desejo. já sabem que tento fugir deste espaço não conquistado mas pago. já sabem que gosto de sair para onde não me vejam, mas sempre com receio que me espreitem. porque estás a olhar para o tecto? não me estás a ouvir ou não me queres ouvir? doi o que te digo? preferes a mentira ou a omissão por te anestesiar? administra-se doses de mentira por cobardia de quem mente ou por pena de quem a vai escutar. não quero uma situação nem outra. a surdez não é fuga, porque a verdade acabará por cair sempre estatelada à nossa frente. a cegueira não é fuga, porque a verdade acabará sempre por entrar pelos pavilhões auriculares. portanto, ouve-me e vê-me. olha-me bem nos olhos. não desvies o olhar, por favor. a mim também me doi, porque sei que te doi. a mim doi-me porque eu nunca serei eu. não serei eu, não por ti, nem por ti. também ,talvez, mas não principalmente. eu nunca serei eu porque nunca serei feliz. se o for será sempre longe deste espaço não conquistado mas pago.

(olharam-se. levantaram-se. e nunca mais os vi. continuei sempre com o mesmo discurso para muitos. sempre findou do mesmo modo: olharam-se. levantaram-se. e nunca mais os vi).

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Neste desejo: Não te prevejo. Não me prevejo.


Estamos no bar. Estamos sentados nos bancos. Levanto-me. Não tenho saias. Não te mostro as minhas pernas. Olho para trás. Não vens. Entro na casa de banho. Não vens. Aguardo. Não vens. Antes de abrir a porta dá-me um estremeção no estômago quando imagino que possas estar do outro lado da porta. Abro-a. Não vieste. Saio da casa de banho, sem deixar rasto.



Estamos no bar. Estamos sentados nos bancos. Levanto-me. Não tenho saias. Não te mostro as minhas pernas. Olho para trás. Não vens. Entro na casa de banho. Não vens. Aguardo. Não vens. Antes de abrir a porta dá-me um estremeção no estômago quando imagino que possas estar do outro lado da porta. Abro-a. Estás a olhar para mim, com a cabeça de soslaio. Olhos fixos nos meus. Dá-me outro estremeção no estômago. Sinto as pernas a bambolearem-se. Tento não transparecer a minha excitação. Forças a porta da casa de banho e empurras-me para dentro. Levantas-me a blusa de modo violador. Não há perguntas. Não há permissões orais. As minhas calças já se encontram mais abaixo de onde se encontravam ainda há pouco. Ofereço o meu corpo ao teu. Colocas-me as mãos na parede. Ambas, friso. Fico de costas para ti. Empurras-me contra ti, pegando-me na cintura. Experimentas a sensação comigo assim. Depois a sanita tapada torna-se um banco para os nossos afazeres sexuais. Muito conveniente. Saímos os dois da casa de banho, não deixando rastos.



Estamos no bar. Estamos sentados nos bancos. Levanto-me. Não tenho saias. Não te mostro as minhas pernas. Olho para trás. Não vens. Entro na casa de banho. Não vens. Aguardo. Não vens. Antes de abrir a porta dá-me um estremeção no estômago quando imagino que possas estar do outro lado da porta. Abro-a. Estás a olhar para mim, com a cabeça de soslaio. Olhos fixos nos meus. Dá-me outro estremeção no estômago. Sinto as pernas a bambolearem-se. Tento não transparecer a minha excitação. Transponho a porta da casa de banho e dirijo-me para o lavatório comum aos homens e mulheres. Tu balbucias alguma coisa. Tento não escutar. Tento anestesiar-me. Tento algemar o desejo. Tento fugir sem sair dali. Tu pegas com veemência num pedaço do meu glúteo esquerdo. Agarro na tua mão. Olho-te nos olhos. Pára, suplico. Mas, tu sabes que quero que continues, mas não sei se sabes que eu não sei se deva desejar que continues. A dúvida lançada e tropeçada na mente ficou lá encalhada e de lá não sai. A dúvida prevalece e domina o dever sobre o querer. Empurro-te com força. Pára, torno a suplicar. Saímos os dois da casa de banho, não deixando rastos.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Memórias de uma velha maluca

Continuando com a história de "memórias de uma velha maluca" para os fiéis que a acompanham. .. este trecho é sobre uma manhã de Mário, em que já conhecia Isabel e tentava ter filhos, mas esta ainda não conhecia a miuda de rua ( a velha maluca que narra a história na primeira pessoa).

8 – Uma manhã de Mário

Mário, depois de mais uma vez ter feito sexo com Isabel noutra posição, levantou-se da cama e deixou-a a dormir. Foi para a janela. Eram 5 da tarde, viu ele no relógio. Pela primeira vez depois de muito tempo pensou em Helena, na descontraída vida que levara até então. Recordou todas as amantes que tivera. Veio-lhe à memória a fogosidade de Isabel que tanto o atraía. Ele ainda a amava, mas temia que ela não sentisse mais nada por ele, temia que ela o visse apenas como um portador de espermatozóides com qualidade capaz de dignifica-la com a vinda dum bebé. Pensou que talvez tivesse embarcado no rumo que ela o conduzira. Ela numa noite sonhou que estava grávida e a partir de então desejou e fez desejar a responsabilidade de ter um filho. Agora, também, obstinado pela ideia da concepção de um filho nem faziam amor. Que angustiante! – pensou. Encontrava-se a olhar pela janela. Olhava mas não via nada. Via em sua frente o passado, o corpo de Isabel encavalitado no dele, das palavras ríspidas dela: nesta posição não dá! Levanta-me a anca, pode ser que dê melhor. Faz devagar! Nas suas relações sexuais não havia espaço para a espontaneidade, para a liberdade. (No sexo recria-se a liberdade). Sentia-se de tal forma controlado, que por vezes parecia que o seu pénis estava a ser vigiado por uma câmara de filmar.

Agora apreciava o céu azul; era o azul que afagava as suas inquietações. Mergulhado em cogitações, deixou cair a cabeça, como com o peso das indagações, embatendo de leve no vidro da janela:
quando este desejo passou a ser meu também? como passou a ser meu se não o era até à data? e se por acaso não o satisfizesse deixar-me-ia, abandonar-me-ia? Ficaria a saber se ela de facto ama-me, capaz de saltar os obstáculos estacados pela vida de mãos dadas comigo? ou se largar-me-ia?

O sol estava a ofuscar-lhe a vista. Teve de semicerrar as pálpebras para se proteger do poder nefasto daquela luz. Por momentos deixou de pensar em Isabel – via tudo amarelo. Libertou-se por momentos dos pensamentos. Deixou-se ficar num estado de apatia, com o rosto erguido para a paisagem. A luz libertou-o. Pensou no simples facto de ter deixado de pensar nela, quando sentiu uma invasão poderosa da luz. Era o incomodo que o libertava. Parecia que o sofrimento físico desviava-o das obsessões.

(...)

Logo a seguir apreciou as nuvens baixas que assumiam vários tons, cinzento, cor de rosa, com o sol a querer espreitar por entre elas. Lindo! Sentiu uma lágrima a escapar do canto do olho e a escorrer pelo rosto abaixo, fazendo-lhe cócegas. Não derramava lagrimas por se sentir triste, mas por sentir um enternecer pelo esplender do quadro vivo que se deparava perante o seu corpo nu. Afinal, o ideal não seria castigar o corpo para libertar a mente, mas sim abrir a mente ao mundo. Focalizou-se nos aspectos positivos da sua vida: tinha algum dinheiro no banco, uma cama com tecto, o estômago confortável, o frigorifico bem recheado de comida, água potável e uma sanita onde podia libertar os detritos do corpo. Confortou-se com a possibilidade de todos os homens terem problemas e uns bem mais graves do que os dele.

Eu preocupava-me com a busca incessante de comida e de um canto para dormir e outro para urinar e obrar; Mário preocupava-se com a sua vida matrimonial. Isabel com os seus vários caprichos; Helena com a falta de telefonemas do homem que a renegou noutros tempos.

sábado, 21 de julho de 2007

quarta-feira, 18 de julho de 2007

A solidão não se mede em metros


Estou só. Não sei se me apetece deixar de estar só.
A solidão sempre me acompanhou até à independência, mas também me prometeu coloração à melancolia. Não procuro companhia. Se quisesse companhia procurava na religião o reconforto sempre presente.
Agrada-me estar virada para a parede, e não me voltes. Deixa-me só nesta sala exígua, em que me perco para me reencontrar. Parece tão egocêntrico a necessidade de olhar para dentro de mim. Julgo que sempre que me olho em solidão vejo os olhos da multidão. E aí vos compreendo.


Como sabes, sempre considerei que é fácil viver dentro das conformidades da multidão, como também o é viver de acordo consigo próprio na solidão. Fujo da unicidade exprimida sempre em uníssono, mas recolho-me na solidão, continuando a acomodar-me nos facilitismos que não magoam. Não obstante, estando só costumo atrever-me à exposição, gritando, – e tu sabes que é verdade!, o que todos pensam pela surdina quando estão sós. Quando estou só estou livre.

Não julgues que a solidão é medida. A solidão não é medida é sentida. A solidão não é medida pelas milhas de espaço que distam entre nós e os nossos iguais. A solidão não é medida, só sentida enquanto esperamos deixar de estar acompanhados pela solidão.

Estou só e feliz enquanto espero deixar de estar só.
Estou só e não sei se me apetece deixar de estar só.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Antes do abrir da porta

estou encostada à parede. passo a mão para sentir sua textura. é rugosa. imagino que me lanças com fogosidade contra ela. não tem pregos. não me deverei ferir. sim!, aqui podias-me encostar com força e abrir-me a camisa. vejo o chão e parece-me escorragadio. ah, se calhar quando chegares a casa atiras-me para o chão e levantas-me pela bacia. faltam-me almofadas aqui, penso. vou caminhando. chego à cozinha. a bancada é muito alta. se me pegares, com toda a tua força, e me pousares em cima dela não fico onde me queres. a mesa. sim!, a mesa é mais baixa. e também temos as cadeiras em que te podes sentar e eu faço-me como que esquecida e sento-me em cima de ti, de frente ou detrás, como quisermos no momento. o quarto. ai, não gosto de rotina. abomino. continuo. ah, lembrei-me!! na garagem, a tua mota. mas não é cómodo. em alternativa, a cozinha do quintal. a arca virada ao contrário ganha comprimento para nós, com as almofadas dispostas a gosto. o jardim já está vedado. em noites quentes as cadeiras não estão empilhadas. tenho os cenários congeminados. oiço o abrir da porta. és tu.

domingo, 15 de julho de 2007

Deito-me no sofá



5 da tarde ... deito-me no sofá. abro as pernas. ergo-as. sinto-as edemaciadas, mas não o estão. coloco uma almofada sob elas. sinto os olhos indecisos em fechar, mas não me apetece dormitar- perda de tempo. mas ao estar acordada também não estou vigil. olho para o tecto falso - como muitos tectos que construímos na vida. desnorteio-me de tanto pensar que deveria em nada pensar. muitas vezes a construção em falso é tão rectificada em falso, e sempre em falso, que já não sabemos a veracidade escondida na falsidade construída. enfim!!... sinto lipotimias sucessivas estando deitada ... parece que estou etilizada em corpo letárgico. oiço ruído ... não descodifico o sentido da sonoridade. é um som- isso eu sei. parece que o oiço bem ao longe em espaço e tão perto do que fui, enquanto gente fardada. fixo o olhar até ganhar nuvens na visão. lanço o braço. quero agarrar o indefinido- sempre é mais nítido e coerente do que a realidade que defini em falso.

(...)


deixo os ponteiros do relógio dispersarem em campo circular outrora definido por outrem, que não eu. eu não acredito no tempo. e ele não acredita em mim. nunca cedeu aos meus pedidos suplicantes, até. o tempo vive, mas nem sempre deixa viver. nem sequer é firme na sua definição de linearidade temporal, porque tanto o vejo a saltar para o passado como galga para o futuro. sofre de mutações pendendo tanto para a velocidade como para a lentidão. parece correr ou parar consoante as vicissitudes das nossas vidas. o tempo nunca desculpou os nossos pecados nem escutou as preces de todos. só é fiel aos não viventes, porque para eles é gélido, sem pressa de vida, coarctando toda a esperança de vencermos na ressuscitação saltada das campas . o tempo só dá tempo a quem já não precisa de vida- só têm o seu nada em que nada lhes serve a paragem de tempo. deixo, porque tenho deixar, os ponteiros do relógio dispersarem.


(...)


continuo a escutar o som. assume volume, parece. o sentido de curiosidade vai-me acordando para descortinar o código que foi segredado aos viventes para saberem ler todos os sons. tento ouvir. o sentido do dever obriga-me a abrir os olhos que sempre se encontraram abertos. o coma, a que me forcei a confiar, fez-me o divórcio da realidade- a qual me queria ausentar. não queria ouvir, mas como oiço um sonido sinto que tenho que ouvir, nem que um grito. somos tão carregados de deveres, como trelas se tratassem, balizando a nossa necessidade de ausência para catarse e nos aproximarmos da liberdade. o som volve à audição incessantemente. é uma chamada. chamam por mim. oiço meu nome acompanhado por outra palavra- qual não sei. oiço sumidamente. longinquamente. o sentido soberano do dever parece que me obriga o pavilhão auricular a abrir, e descodificar o som antes sumido agora vociferado.

(...)

ah, sim estou no trabalho. oiço a chamarem por mim. precisam de mim. é uma doente que chama. e eu que me imaginava já em casa, de pernas estendidas, esticadas no sofá, a olhar para tecto, a partilhar um repouso... com os pensamentos...

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Linhas Sobre a Cerveja

Cheio de espuma e âmbar misturados
Esvaziarei este copo novamente
Visões as mais hilariantes embarafustam
Pela alcova de meu cérebro
Pensamentos os mais curiosos fantasias as mais extravagantes
Ganham vida e se dissipam;
O que me importa o passar das horas?
Hoje estou tomando cerveja.
Edgar Allan Poe
Saudades do verão e de uma cervejinha bem fresquinha!

segunda-feira, 9 de julho de 2007

O silêncio de ontem não adivinhava o silêncio de hoje

O silêncio, para muitos o vazio acústico, para nós sempre fora significativo de divagações ruidosas para o sossego e motivo para outras muitas que nos retiraram o sono e nos levantaram da cama.

Ontem
Gritavas: cala o silêncio com a tua voz!!

Ontem
Meu companheiro nos infortúnios e entre lençóis
Querias calar o silêncio que te acordava as emoções e te trazia incomodo ao teu saber estar. O teu corpo denunciava o constrangimento que te trazia o silêncio. O silêncio era para ti inoportuno e fazia-te lembrar que estávamos calados. Estar calado era sinónimo de assunto esgotado. Parecia-te assustador e levantavas várias indagações desperdiçadas que te ocupavam o tempo útil de vida: que tradução dou ao seu silêncio? não terá interesse em mim? ou será precisamente o contrário? será revelador do seu interesse por mim? em me querer, em me ter? o silêncio trazia-te a dúvida, que em relação imatura é perturbadora da serenidade. Com o silêncio sentiste observados os teus movimentos, os teus pequenos trejeitos. O silêncio, pensavas, era a minha leitura de ti. Com o silêncio explorava-te. Darmo-nos a conhecer traz muitas vezes a insegurança, que todos carregamos, manifesta da incerteza de não gostarem de quem conheceram – todos tendemos gostar que todos gostem de nós (gregos e troianos).

Hoje
Gritas: cala-te! Deixa falar o silêncio calando a tua voz.

Hoje
Meu companheiro nos infortúnios e entre os lençóis
Já perdi as palpitações só de pensar que pensas em mim. Já perdi a inquietude sentida no estômago quando me surges. Já perdi o corar quando me tocas. Mas apanhei a tua verdade, que parte ainda tanto me seduz. Anseio perder as mudanças da tua verdade, no trilho que vais escolhendo para a tua vida. Trazes poucas caricias, mas conheces as delicias que me fazem semicerrar o olhar e soltar sons gemidos, arrastados no silêncio e outros que rasgam o próprio silêncio. O silencio, hoje, representa o aperto das nossas mãos, já não suadas, e o nosso olhar dirigido na mesma direcção para o amanhã, com uns breves desvios de olhar, meio de soslaio...para ganhar as palpitações, as inquietações transmitidas no estômago, o corar no facies...sentires que nos lembram que ainda desejamos e nos desejam.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Desejo-te ou desejo este desejo?!

Encontro-me sentada no sofá. A música deixa rasto neste canto, não sendo por mim recebida. Sinto-me envolvida na volúpia que encontro no teu olhar. Teu olhar que acolhe o meu corpo. Meu corpo que te pede luxúria. Apetece-me vagabundear sobre a nossa intimidade que ambiciono. Peço ao passado que me traga o calor do teu pescoço, com o cheiro entranhado na derme. Ainda sinto teus lábios presos entre meus dentes. Ainda sinto o momento.
Desejo-te e não sei o que isso é; só sei que me estonteia de tanto me agarrar afincadamente a este desejo, não desejando perdê-lo. Será este desejo uma brisa que se transforma em tornado que me acorda, que me açoita os sentidos e me lembra que estou aqui? Será que dou permissão a este desejo coexistir porque desejo ter este desejo? Será este desejar o desejo que o faz sobreviver ou será o objecto do desejo que o aviva? Sinto que a serenidade já há muito foi escamoteada pelo desejo. Este não vive da ilusão, mas comporta a ilusão como vertente virtual, enquanto expressão da minha realidade vedada aos outros.
Em emoções sou de poucas certezas. Tudo me surge carregado de neblina, a razão e até as tuas expressões. Tenho só uma certeza: não desejo qualquer um e porquanto não é a busca de prazer o meu móbil. Não é a necessidade que me atormenta. A necessidade é limitada mas não o desejo. A necessidade de prazer não pode ser minha – eu sei-o.
Será que este desejo de prazer, que permiti insuflar com o tempo, aumenta pelo perigo que me deveria afastar dele? Por vezes penso que não pretendo a satisfação deste prazer, mas por outras acho que controlo o sentido do meu querer para fugir à culpa. Por vezes, as minhas insistentes entregas ao desejo deixam-me cair no fosso que própria cavei e que me faço enfrentar perante a censura moral, que condena o meu tão desejado desejo. Penso em culpa: culpa de um pensamento, de uma palavra, de um gesto, de um toque, de um coito, de um gemido... só sinto culpa porque o outro me pode culpar. Mas sei que sou fraca e que me deixo entregar facilmente ao erotismo, fugindo da culpa rapidamente, que me quer ceifar o desejo ... ai!, como me possui este desejo!! Rapidamente me faço encontrar com o sustentáculo que me mantém na vertical: este desejo.
Será este desejo um preenchimento de um tédio? Mas como pode o tédio ter espaço na minha vida, se tento nunca lhe dar espaço de coexistência? Até porque se assim fosse não escolheria eu o objecto de desejo bem mais acessível, para concretizar a satisfação de prazer? Pois, mas, não procuro prazer, é verdade. Sinto-me tão embrulhada em pensamentos. Sinto-me tão desejosa de me embrulhar em teus braços.
Ai!!

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Depois de nus adivinhar cenários críveis


Lá fora: o silêncio sai das folhas caídas no soalhado do pátio. Lá fora: o desconhecido por agora.

Cá dentro: o relógio da sala acusa o pouco tempo que resta. É uma pressa a entrega.

Baloiço o olhar frente aos espelhos depostos de esguelha na tua sala de tudo receber...titubeio sobre o tapete num fruste tentar em me estatelar de fronte a ti... a vontade é mesmo quedar sobre ti.

Já rendida num abraço, solto o que há de nu em mim. Em postura frágil e inerte encontro-me deitada entre cetins a acariciarem-me os corpúsculos. Tocas à campainha dos meus sentidos: adormecem-me o domínio e acordam-me a lascívia. Sem eles nada fazia sentido neste pouco resto de pessoa que ambiciona a rendição do que há de devasso na concupiscência. Ofereço o meu corpo em troca de vãs caricias, de suspiros que seduzem o momento, de arrepios carregados de calor que visitam o prazer. Ofereço o meu corpo por uma vaidade da alma, que arranca a nitidez da sensatez e entrega como dádiva à estupidez.

Tudo muda depois dos tempos de quimera. Segue-se a acidez que sempre hiberna, sequiosa por explodir na facies do par. Vejo malignidade nos teus olhos, espelho dos olhos de todos nós. Não te quero mais, e não querer é poder. Há um mergulhar da tua dignidade no lodaçal do orgulho imódico que despersonalizou quem julgava conhecer. Vociferas que te resta dignidade quando o que cospes é um ciclone de estilhas pontiagudas residuais de um orgulho traído e deixas sufocar o digno que havia em ti. Tudo acaba, quando me entreguei a outros lábios, tapando os olhos à inocência. Em ânsias de tudo tornar a repetir e sentir, não sabendo que tornarei a ver os olhos de todos nós.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Quem tu és?!: és a nossa imagem



Sente o mundo girar!!
Há sequelas que perfuraram o ventre do mundo.
Na tua cegueira
Pensas colher o que te plantaram.
Ergues a mão
Dando mostras de que está vazia. Se os outros estão na miséria
É porque tu e os outros são a miséria humana.
Foste tu que te pariste.
E não te entregues ao doce engano.
Extremina o que fazem
Para que não sintas aquilo que és.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Textos no fundo do baú com pó

alguns dos trechos que vos apresento no blog são retirados do UVA: uma vida arquivada, onde sempre guardei o meu passado: poemas, cartas, petalas de flores que me ofereceram... a publicação de 11 de Maio ("para quem queira descortinar o insondável, não tente pegar pelo fio da linha temporal") é uma alusão ao facto de ter vários retalhos de textos retirados do UVA e outros actuais ... é intuito deixar sempre a incognita permanecer... mas hoje digo-vos que este é de 1997.

Vida recheada de vidas salvas.
Uma salva de palmas.
Mas não é espectáculo.
Caminho com os olhos dos outros
Desviados da minha existência só.
Chego a pensar que não existo,
Mas se não existisse não pensaria que não existia.
Ou afinal não penso,
Ou afinal existo.
Sei que penso demais.
Não existo, penso.
Existo no pensamento
E o meu pensamento existe.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Faz-te julgar de cego e a verdade foge-te da frente


Fonte: net
Montagem: Pessoa nenhuma

Conselhos para seres feliz
Recolhe-te no refúgio da tua vida e esquece a verdade que te circunda... e nada faças para a mudar...fecha os olhos se não queres ver...pensa em ti e só em ti...continua assim e sê feliz. Cruza os braços e senta-te...e pensa que tudo está bem ou que outros surgirão para mudar a verdade: um dia!!

Conselhos para sermos felizes
Olha e vê, porra!!
Faz alguma coisa, porra!! Mexe-te daí, porra!, ... sua alma entorpecida, acomodada!! Grita: dá-me as mãos amigo!! e vamos mudar a verdade!!...que tanto magoa para quem vê!

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Penso: entre a vida vivida e a pensada

Montagem: pessoa nenhuma
Pensando em nós...
entre os nós que deixei criar com os pensamentos...
penso que vivo uma vida sonhada...
o sonho de uma vida...
oiço o cantarolar de Almada Negreiros
não sei sonhar senão a vida
não sei viver senão o sonho!!
remeto-vos para Pessoa (Fernando)
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra que é pensada,
E a única que temos
É essa que é divida
Entre a verdadeira e a errada.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Estática, fujo para o vazio.

Montagem: pessoa nenhuma (reside em mim)
Deambulo descalça entre as areias deste antro em que depositaram os meus pés, sem andar próprio.
Olho e não vejo. Vejo e não olho. Vejo o vazio dentro de mim, quando não olho para o mundo. Olho o vazio e não vejo o mundo.
Olho em frente! Vejo só o corredor! Sem fim! Vejo o nada. Estranho.
Sinto-me uma transeunte perdida à procura de se perder, nesta estrada mal alcatroada que deixaram para me ver cair. Mantenho-me firme neste covil em que me colaram os pés.
Lanço o olhar, agora, para o horizonte. Vislumbro a finitude do longínquo, que nunca alcançarei. Uma estranheza entranha-me nas entranhas do meu recôndito ser.
Penso no futuro que não existe: há-de existir. Penso no passado que não existe: só existiu. E, o presente é tão exíguo, de tão pouco espaço de existência deixaram para ele - e, é dele que fujo. Fujo para o passado e para o futuro ... que não existem.

domingo, 27 de maio de 2007

Empty!! Empty!!



Hoje em que nada há para dizer.
Hoje em que nada há para sentir.
Hoje em que nada me apetece fazer.

Oca.

Vazia.

Apática.
Letárgica

Estranha.

sem nada de novo a dizer.
deixo-vos entretidos com alguns comentários meus às publicações de blogs dos meus amigos.


(No blog: www.hojelembrei-me.blogspot.com)

sobre liberdade!


A compreensão é nos trazida pela identificação, muitas vezes. Quase todas as vezes - acreditem, se virem mais além! poucos são nutridos de empatia. compreendemos quando olhamos para nós.
Tal aconteceu-me ao ler mais um rasgo dos teus desabafos.
A rotina - significação de demandas sempre reiteradas que nos impõem e que permitimos que o façam, retira a nossa identificação. deixamos de perceber quem somos num mundo que dita quem deveremos ser. seres traduzidos em acções e bens expostos aos olhares. acabamos por ser quase só o que fazemos e o que temos; e pouco mais sobra de nós. e nós assistimos sem ver, de olhos bem vendados e cerrados para a nossa triste atomização.
Estes teus desabafos, imprimidos em letras, palavras, são não mais do que sopros do ser que fazes por sobrar de ti!, nem que seja o sonho dos teus seres que permites que coexistam em ti. Estes não são uma terapia de solidão; poderão ser de isolamento. podes estar longe de todos. mas nunca estarás só. o mundo está repleto de seres sós - todos aqueles que não se ouvem e não se vêem. Tu ainda existes!, porque parafraseando-te "tens um mundo dentro de ti".
As gentes regidas por uma normalidade castradora, escolhida por uma maioria, saca da liberdade e da diferença que nos distingue de seres domesticados. Urra!, à diferença!! Mas os diferentes indubitavelmente sentir-se-ão despejados num claustro sem janelas. mas amigo!, leva uma vela contigo, um papel e uma caneta!



sintomatologia da liberdade.


Os utopistas criaram o mundo. (E não Deus!) É uma verdade da humanidade, mas uma mentira para os condenados à renúncia da liberdade.
Nos primórdios os utopistas deixaram, na prateleira mais próxima do céu, um manual para os seus discípulos. O manual seria um legado para os homens que se entregassem a si. Manual da liberdade, ainda se lê. Mas este foi queimado desde há muito - desde que surgiu a civilização. Restam umas páginas, pouco legíveis, mas só inteligíveis para os que se elevam até aos céus.

Das páginas que lemos (eu e tu, meu companheiro de denúncia às renúncias dos que se encontram confortáveis sentados à espera da liberdade), sublinhámos trechos para plagiar e divulgar aos outros companheiros. Ainda me lembro: e, aqui deixo nota do que lemos, para ti, que te queres juntar a nós.

Só somos livres quando nos deixamos flutuar entre estados inebriantes, que nos afundam na loucura. Há uma linha muito ténue entre loucura e liberdade e a fórmula para a felicidade é andar sempre com a borracha na algibeira.

Temos que partir para bem longe do servilismo da tirania moral colectiva, da consciência colectiva que nos atrela aos seus pés. Temos que partir para bem longe para não nos condenarem a sermos um não-ser. Sempre muito lutámos pela liberdade das massas, mas nunca abolimos a prisão que há em cada um de nós.

Temos que deixar de ir para bem longe e deixarmo-nos dormir. Livres são os que ao sonho se entregam e deixam acordar o que de si os outros não deixam conhecer. Quando muito se entrega, de forma exclusiva, ao pensamento, sem deixar uma réstia para o sonho, estica-se, intuitivamente, os membros superiores, não para os outros lhe colocarem as algemas mas, para ele próprio se algemar. Fugir dos sonhos é nos entregarmos aos julgares dos outros.
Ser-se livre é fugir dos outros. E, sonhar!! E amigo!, como diagnosticar a sintomatologia da liberdade: depois de te dares a permissão de sonhar, dá-te a permissão de te rires do que sonhaste!



domingo, 20 de maio de 2007

Rugas do tempo: Rugas do esquecimento.



Dedicado aos rostos
sofridos,
do pensamento já esvanecidos
esquecidos,
até dos entes queridos,
mas,
aqui deixo nota como são merecidos,
até de desconhecidos.




Dedicado às meninas de 90.
Dedicado a quem cuido.




Montagem: por pessoa nenhuma (reside em mim)
Fontes das imagens - net.


sexta-feira, 18 de maio de 2007

Mais retalhos da história "memórias de uma velha maluca"

Continuando (...)

3. O encontro

Seria milagre de Deus, sua bondade e generosidade? Por vezes Deus parece dar-nos permissão para a ventura, mas decerto que devemos desconfiar. Vejamos!: uma rapariga de 11/12 anos menstruada, tem as condições para procriar e contribuir para o incremento do numero populacional. Ele deu permissão à criança de gerar um homem, no entanto criou uma sociedade que a considera leviana, com vida pecaminosa se ela deixar entrar na sua vagina um pénis, que tenha orgasmos, que tenha filhos. Mais!, ele poderá castigá-la, também, pela deformidade do ser nascido daquele útero. Deus estabeleceu uma idade mais apropriada para engravidar e as mulheres que não tiverem filhos dentro desse espaço temporal poderão ser castigadas. Não são as jovens que têm de pedir perdão pelos seus pecados a Deus. Considero que Ele é que deveria pedir perdão pelos seus embustes e á posteriori vingança pelos nossos actos.
(vou saltar propositadamente o encontro entre Isabel e a miúda de rua).
Segue-se a secção em que isabel recorre a todos os recursos de manipulação para convencer Mário a adoptar a miuda de rua). Sentem-se!

4. A proposta

O arrependimento de uma vida já vivida e que não pode ser retomada transporta consigo um dos piores estados: ser-se infeliz. Tecer cenários no futuro torna as nossas decisões mais sustentáveis. Escolher pode parecer fácil – escolhe-se o melhor para nós -, mas só o é quando se sabe o que se quer ou o que não se quer. Ainda há o problema dos outros, mas tendemos a pôr-nos sempre em primeiro lugar, por isso é o somenos. Tomar opções acertadas na vida de modo a não nutrirmos remorsos só será verosímil quando sabemos efectivamente quais as acertadas – e as opções por vezes surgem num plano tão nublado, que venda a razão de qualquer um. Não é fácil! Isabel pensou; projectou-se no futuro; sonhou. E tomou uma decisão – não sabia se a acertada.

Isabel chegara a casa cansada. Estendeu as pernas, um pouco edemaciadas, no sofá. Retirou as meias que apertavam-lhe as pernas. Ligou a TV. Seria a solução ideal – congeminava ela, roendo as unhas. Passava de canal a canal. As imagens passavam-lhe na retina. Mário ainda não chegara. Era o dia que ia fazer-lhe a proposta. Fez o jantar, tomou um duche e vestiu um top e umas calças justas. Esperava com isto chamar-lhe a atenção para o que iria expor. Pensou, o momento deverá ser solene. E nem sequer quero erguer o seu pénis só de olhar para mim, se não, não converso nada. E mudou para uma indumentária mais discreta. Acendeu um incenso que lhe restava na dispensa, de modo a lançar no ar um cheiro que apelasse à benevolência de Mário – acreditava no poder persuasivo do cheiro. Sentiu o barulho das chaves na porta: uma volta, duas voltas. A porta abriu. Era Mário. Jantaram. E fizeram sexo. Nada conversaram. Inicialmente atribuiu as culpas ao incenso, que deveria estar fora do prazo ou a vendedora vendeu-lhe o que apelava à paixão. Depois, racionalmente, considerou que teria de mudar de cenário, porque aquele era o antro das penetrações infortuítas.

Sábado à tarde, convidou Mário para um passeio no lago e para jantar no restaurante da ponte. A panorâmica era deslumbrante, inebriante até!, e com falas mansas talvez o convencesse. Talvez! Mário disse que não tinha tempo, que tinha muito que fazer e que podiam muito bem fazer logo sexo sem esses preparos todos, porque a mente dele nesse dia já estava liberta dos detritos da sociedade actual, porque tinha feito uma sessão de ioga, que haviam introduzido no programa inaugural do serviço de saúde ocupacional. Sentia-se bem. Pegou nela pela cintura e lançou-a no leito matrimonial. A cama cedeu ao estremeção, mas emitiu um ranger. Ela, já sem pensar em gerar uma criança, abriu as pernas e deixou-se invadir primeiro. Convenceria-o depois a dar o passeio que ela planeara. Fez sexo com ele, mas a sua imaginação levou o seu corpo penetrado para bem longe daquele quarto. Enquanto tudo sentia e gemia de prazer, viu-se num comboio com vários homens a perguntar se poderiam fodê-la. A linguagem da imaginação não é domesticada, por isso assim como ela imaginou, assim eu conto. Sentia vários homens a tocá-la, a puxar os cabelos, a mordiscar os mamilos, a lamber as orelhas. Faziam fila para a penetrar. Fez com tantos que perdeu a conta. Sentia a vagina quente e a latejar. Deixou levar o corpo a sentir pequenas convulsões aprazíveis. Quando abriu os olhos, viu o rosto do seu marido. É claro que a história que imaginou não fazia sentido, mas quando se faz sexo não se pode estar a pensar em grandes enredos, se não perdem-se as sensações. A historieta fantasiada não foi partilhada com Mário, como já havia feito várias vezes. Enquanto o faziam, ela contava histórias eróticas e ele acrescentava sempre retalhos pornográficos, obscenos, que ela apreciava.

Ela levantou-se e foi-se lavar. Ouviu-se o som da água do duche a correr durante meia hora. Sentiu-se fresca e limpa. Acordou Mário, que se encontrava na cama de pernas abertas, de pénis murcho. Ela foi ao bar buscar um copo de moscatel. Colocou umas pedras de gelo. Ligou o rádio e sentou-se nua no cadeirão do quarto a ouvir portishead e a beber. Repousante! Revitalizante! Lembrou-se de repente do convite para o passeio para o convencer. Tinha de o convencer. Quer dizer!, não sabia muito bem se seria o melhor, mas mesmo assim estava determinada a pressioná-lo na escolha. Era melhor mudar de estratégia de persuasão. O melhor seria apelar à compaixão.

No dia seguinte, Mário regressou do trabalho, conforme o costume das suas rotinas. Isabel não estava em casa. Dissera no dia anterior que iria para Sintra escrever no seu próximo livro. Sintra era a sua musa instigadora para o encontro das melhores palavras que constróem a melhor história. Sentou-se na sala de estar. Adormeceu por breves instantes. Tocou o telefone. Levantou-se. Era engano. Foi à caixa do correio: contas da luz, da água, prospectos de viagens e duas cartas. Dirigiu-se à cozinha. Uma era endereçada para ele. Era da prima. Da prima. Sentiu o seu facies ficar congestionado. Sabia que acabara de corar. Se fosse visto pela sua mulher ela iria, decerto, desconfiar de algo. Estava furioso. Furioso! Não só se encontrava colérico pelo atrevimento da prima como também consigo próprio, pois não conseguia dominar as demandas do coração e os efeitos que este lhe desencadeava no seu sistema vascular. O seu corpo, mais cedo ou mais tarde, iria denuncia-lo. Seria o seu próprio delator. Quando nos atribuímos culpa por algum acontecimento somos invadidos por um fardo violento, capaz de estraçalhar a nossa integridade mental. Mas o seu discurso só desferia a culpa na prima, omitindo o seu sentimento de co-culpado, como se um público o ouvisse e o recriminasse. Vociferou palavrões e desferiu um murro na bancada da cozinha: que atrevimento o dela de me enviar uma carta para casa. Hei-de as dizer, das boas. Que atrasada. Nem se atreveu a lê-la ali em casa. Guardou-a no bolso das calças. Depois, com receio de Isabel a descobrir correu para a garagem e guardou-a no caixote das ferramentas. Pôs uns trapos em cima – assim não deveria encontra-la. Com tempo, logo iria lê-la. Ou se calhar nem valia a pena, porque já sabia do que se tratava. Estúpida!- pensou. Voltou para a cozinha e pegou na outra carta. O nome do destinatário no envelope era imperceptível. Abriu-a. Tinha dificuldade em ler a letra quase ilegível; parecia de uma criança que começara agora a aprender a escrever.

Meo caro senhore

So Clara
Vivo na roa. Tenho fome. So popre. Poco tenho para alen da ropa.

Mário interrompeu a leitura. Esta carta deveria ser engano, pensou. Começou a coçar a cabeça e a enrolar uma madeixa imaginária. Não era fácil auferir o sentido das palavras. Tinha tantos erros, que só poderia ser de uma criança. Continuou.

So meiga. So espeta. So trapalhadora.
Conheci soa espoza. Somos amiga.
Queria emtam pedire a voçe se me podia colhere, como se filha foçe. Podia ser voça filha. Primero podia conhecerme. Si, se calhare to a falare muto, mas desculpe precisava de ums pais que perdi os meu.


Mário interrompeu a leitura. Começou a latejar-lhe a cabeça, na região parietal. Levou as mãos à cabeça, fazendo pressão no local doloroso. Foi buscar um analgésico à farmácia que se encontrava na casa de banho. Estava tão confuso. Seria engano a carta? – pensou. Parecia que não, porque falava na mulher dele. Estava entregue a um enrodilhado de cogitações e de indagações que parecia que o estonteavam: incrível, como Isabel não me falou nesta tal de Clara? Como posso aceitar uma criança como filha se nem a conheço? Só eu! Só a mim! Mas que raio! Nem sei se estou feliz com isto, se empertigado. Se calhar estou as duas coisas. Não!: feliz não. Perplexo sim. Mas que raio! Nem sei a idade da criança - admitindo que seja uma criança – sim!, partindo deste pressuposto. E indignado, também estou: então, mas, se Isabel é sua amiga não me disse porra alguma. Que diabo! Pegou novamente na carta com firmeza. Abanou a carta várias vezes, de modo a esta ficar rígida, tal qual ele se encontrava: corpo hirto e espirito absorto. Puxou as calças para cima. Cismado, leu novamente a primeira parte da carta e depois, avançou na leitura.

Pa acabare, queria falare pa pensare bem. Pudiamos conbinare uma saida os 3. Desejo muto, muto qe goste de mi.
Fale com sua espoza pa conbinare.

Clara, tenho 11 ano.
Desculpe os erro mas andei poco na escola. Mas aprendo rapido.

Perplexo dirigiu-se para a sala, deixou cair o corpo inerte no sofá e releu a carta. Releu-a e releu-a, como se conseguisse descobrir algo mais lendo-a muitas vezes. Pensou inicialmente que seria uma brincadeira de criança. Depois acreditou (a força do querer tornou-se sobreponível à força do crer) que as palavras até teriam alguma veracidade, mas que as duas não seriam assim tão amigas, como a tal Clara fazia parecer na carta. Acreditou que Isabel, quando soubesse, se iria rir. Sentindo-se mais relaxado, deixou o corpo escorregar pelo sofá. Deitado, olhou para um ponto – qual não sei- e imaginou os dois a rirem-se do atrevimento da pequena menina, desventurada na vida. Com este pensamento, esboçou um sorriso e considerou que estava a ser pateta ao se assustar daquela maneira com aquela carta. Mais perigosa se afigurava para o seu futuro a outra carta: a da prima. Dominado pela raiva, ergueu o corpo de rompante do sofá. (Gosto sempre de frisar o sentimento que se apodera da pessoa, precedente de qualquer acção. O sentimento tem um poder único de comandar o corpo e os seus movimentos de uma forma muito sui generis. A brusquidão dos movimentos é sempre consentâneo com sentimentos possantes e violentos. A leveza, a delicadeza dos movimentos são sempre demonstrativos de estados emocionais moderados, indicativos de tranquilidade). Já com os pensamentos focalizados na primeira carta acabou por se dirigir ao telefone para dar um bom responso à prima. Que burra! Deitar tudo a perder desta maneira. Eu já lhe digo umas tantas -. Terminadas estas palavras rugidas, Isabel entrou em casa, e interpelou-o no sentido de averiguar a quem se dirigia ele: era a mim que te referias? Ah!, que ideia a tua. – retorquiu ele.- Tens com cada uma. Não, não é nada disso. Estava-me a referir à Dina do escritório que denunciou uns clientes sem me pedir opinião. Enfim, estava a resmungar sozinho. Coisas do trabalho. Bom, ouve lá, precisava de falar contigo um assunto importante. Quer dizer, acho que é importante. Olha lá, despe o casaco. Aqui está calor. Não sentes calor aqui? Temos que comprar mais ventoinhas. Ou se calhar, temos que optar pelo ar condicionado. Este verão tem sido uma brasa. Insuportável. Bom, não interessa. Estava eu para te dizer que, recebi uma carta de uma tal Clara, sabes quem é? Isabel, com um ar meditativo, volveu, Clara?! Clara?! Eh pá!, só estou a ver uma miúda amorosa que conheci há uns tempos ... é uma miúda de rua, estás a perceber? Pobre. Órfã. Coitada da miúda. Por acaso, tenho pena dela. Era para te ter falado dela, mas ando tão absorvida pelo meu novo romance que me esqueci. Mário deu-lhe a carta para as mãos e ordenou-lhe que lesse. Isabel não conseguiu ler a carta toda. No desempenho de sua teatralidade, ela começou o seu pranto dramático, sacudida por fortes solavancos desencadeados por um choro convulsivante. Lançou-se nos braços do marido e entre soluços balbuciava uns monossílabos que pretendiam ascender a palavras, mas que acabaram por se tornar sons imperceptíveis: eu, eu ... ahh! Coi...coi...da..da!! Má...Má...io...io!! - Ele pregou-lhe um ar tranquilo e controlado: respira fundo e tenta falar pausadamente, se não, não percebo nada do que me queres dizer. Pegou nas mãos dela e levou-as ao seu peito, junto do coração. Esfregou-lhe o cabelo macio e sedoso. Deslizou as mãos pelo pescoço e fez-lhe uma breve massagem. Ele estava habituado a estes ataques de histeria, apelativos de sua atenção. Sabia que eram manobras de compaixão (ele evitava pensar que eram efectivamente manobras de manipulação), de modo a conduzirem as suas decisões ao seu propósito. Cansado daquela atitude hiperbólica de sua esposa e desejoso que aquele funesto dia, parecendo interminável perante os seus limites de resistência diária, acabasse, ele acabou por sucumbir à atitude drástica mas de rápidos efeitos: à agressividade verbal de modo a compor alguma ordem e paz ao momento. Os vizinhos com certeza que ouviram o grito vindo da moradia nº 513. Cala-te! - Mais calmamente ele sublinhou: cala-te! Acalma-te, se não não chegamos a lado algum. Por favor! Senta-te no sofá. Vamos conversar. Conheces esta tal Clara, já percebi. Já percebi que sim. Pronto! Estou metido numa alhada, também já estou a começar a perceber. Sabias que ela pretendia que a adoptássemos? Já sabias disto? Mas, que bela encrenca que me arranjaste. Desembucha. Isabel ficou atónita a mirá-lo desde que ele lançou o grito e desde então não ouviu mais nada, só pensava: isto não resultou. Este não foi um bom dia. Devia ter sido o dia da yoga, que ele vinha relaxado e a decisão iria ser tomada de animo mais leve. De certeza que ele hoje não foi à yoga. Ainda para mais este problema com a Dina. Que cabra, lixou-me tudo. A culpa é dela. É dela. Cabra. Nunca gostei dela. Incrível como os pensamentos de Isabel já derivavam na Dina, que já nem lá trabalhava, na realidade. De repente, ela sentiu que estava a acordar de um coma profundo e começava a ouvir um murmúrio, lá ao longe – era a voz de Mário. Deparou-se com ele a olhá-la fixamente nos olhos, bem de perto, e quase a sussurrar-lhe vagarosamente, Isabel! Isabel! Estás-me a ouvir? Estou a falar contigo. Diz-me lá: conhece-la? Queres o quê? Ela quer o quê? Vá lá! Por amor de Deus, fala. Estás-me a ouvir? Querida, desculpa ter gritado contigo, mas estou cansado. Fala! De chofre iluminou-se uma ideia a Isabel: durante toda a sua vida havia aproveitado como aliada a fraqueza dos outros, subjugada à sua mercê. (As gentes na demonstra de suas fraquezas individuais estão a munir os persuasores de autênticas armas de manipulação. Daí se infere, igualmente, que muitas vezes, os opressores se identificam como tal ao identificarem os seus opositores, os oprimidos. Os primeiros acabam por deportar a sua própria mesquinhez quando a balizam nos outros. A subserviência dos fracos aos fortes é o corolário de uma diferença perniciosa criada por ambos - sim!, não julguem que vos direi que é uma diferença criada pelos fortes. Pretendo ser propositadamente redundante!: a diferença é criada por elementos discrepantes e só assim. Mas, de facto, ambos ignoram que estão somente a contribuir para a clausura de entre iguais e a sua própria clausura.) Iria levá-lo à exaustão até ele ceder ao seu querer. Isabel lançou-lhe um olhar penetrante, complacente. E fora esse olhar o persuasor da decisão de Mário. Um olhar. Um único olhar. Ele apressou-se a alvitrar, ok, queres tu dizer o quê? que a queres adoptar? Mas eu quero um filho meu. Dos meus genes. Meu!!, ouviste bem? Era o momento da derradeira palavra. (A palavra certa é capaz de mudar destinos de vidas, de percursos da história). Vagueou o olhar pelo tecto. Levou as mãos aos bolsos e deixou-se cair no sofá. Mário mirava-a, não conseguindo prever os seus jeitos, o seu discurso, não conseguindo perceber sequer o destino do olhar de Isabel. Impaciente, levantou-lhe o sobrolho e bateu o pé esquerdo compassadamente no soalho da sala, emitindo um som inexorável que levantava no silêncio uma inquietude penetrante nas suas almas. Ouve meu querido. A decisão é tua. Eu gosto, de facto, da Clara, não o vou desmentir. Ela nunca me tinha falado no seu desejo de ser adoptada. Acredita em mim, querido! Vou-te contar como a conheci. E foi assim que ela deu inicio ao dialogo, que já não haviam tido algum desde há muito. O primeiro dialogo, retomado de há muito, fora sobre mim. A minha adopção. Ela pegou-lhe no punho e puxou-o para junto de si, no sofá. Ela falou durante muito tempo e ele retorquia, com ela a escutar atentamente as suas intervenções orais, porque assim lhe convinha. Era do seu interesse, entregar-se ao dialogo, retendo cada palavra, cada pausa, cada esgar, como se daí conseguisse prever a sua decisão. Querido, findou ela, eu não sabia. Mas, se ela teve esta coragem revela que é decidida e que gosta deveras de mim. O facto de a adoptarmos, ou se preferires, de a acolhermos em nosso lar, não significa que não podemos ter um filho nosso. Podemos continuar a tentar, com tempo, percebes. Pode ser que entretanto, como estamos distraídos com a Clara, na sua integração em casa, na escola, consigamos ter outro filho, quando menos esperarmos. Não sei, querido. A ideia, não me parece nada desfavorável, digo-te já. E de forma astuta, ela travara, de chofre, o seu discurso, pois vira no rosto de Mário, um prenuncio de uma decisão auspiciosa ao seu querer. Mário afundou-se em divagações: Isabel é brilhante. Nada como ter uma criança para livrar a mente de augúrios que contribuem para a infertilização num homem. No prazer consumido em jogos de distracção nascerá o meu filho feliz e saudável. Já havia tido indícios do destino que não seria na obrigação de afazeres de dois corpos deitados, jogados ao abandono da sorte, que conseguiria um filho. Eu tornei-me parte integrante no prelúdio de uma fase mais prometedora para o casal, mas assim não o foi por muito tempo.