sexta-feira, 27 de abril de 2007

Se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de servir a liberdade humana: seria o de cessar de existir (Bakunin)

"... Sempre que uma grande e luminosa descoberta fornece benefícios aos mortais, facilitando e adoçando a vida, logo surgem os padres nos púlpitos, condenando-a como obra contra Deus e contra a fé de nossos pais.

(...)
Foi deste modo que perseguiram, sacrificaram e desonraram (quantos morreram cobertos de ignomínia e de miséria irresgatável!) Copérnico, que descobrira o movimento da Terra; Newton e La Place, que ensinaram o sistema do mundo; Franklin e Dawis, que abrigaram do raio e das explosões do grisu; Galvani e Volta, que revelaram as correntes eléctricas, hoje dominadoras do mundo; Wheratstone e Morse, que, por meio do telégrafo, fizeram voar o pensamento com a velocidade dum raio... Perseguiram Bacon e Descartes, ultrajaram Look e Espinosa. Le Bon, que iluminou as cidades a gás, foi obrigado a emigrar; Galileu, que nos legou o termómetro, a balança hidrostática e nos revelou o movimento da Terra, foi agarrado e torturado pelo dedo de Deus, nesse tempo ao serviço da Inquisição; Rousseau, que nos ensinou a arte de educar as crianças, foi um dos homens mais perseguido e mais repetidas vezes condenado pela igreja.


(...)
Que leia por exemplo, as páginas que tratam do ano mil. Ah! os falsos pavores dessa era terrível, que tantas desgraças e tão grande retrocesso social motivaram no mundo! Foi isso, como digo, no ano mil da nossa era. A igreja e com ela toda a cristandade, clamava que fizessem penitência, porque Deus ia dar fim ao mundo. Pois bem, Deus, que sabia tudo, Deus, que todos os dias falava com os seus padres, e estes que toda a hora recebiam, possuíam a Deus, nenhum disse a verdade às multidões. Deus consentiu que os homens deixassem de cultivar os campos, construir as casas, abrir estradas, educar a mocidade, amar e procriar, ordenando-lhes apenas que rezassem, chorassem e morressem de dor, esterilmente, como lobos famintos num deserto! E isto, durante anos e anos!

Muitos, para não assistirem à pavorosa e universal catástrofe, iam afogar-se nos rios, asfixiar-se nas adegas, abrasar-se nos fornos e, quantos, quantos, não foram sepultar-se vivos, em fundas valas e em negras cavidades subterrâneas! Tudo era desolação e morte, na expectativa , desse fim, E Deus viu tudo, Deus quis tudo, e a Igreja a tudo assistiu, como executora dos mandatos divinos.

Pois bem, todas essas lágrimas essas mortes, essas sepulturas vivas, esses ventres estéreis e, principalmente, esses irreparáveis retrocessos intelectuais, morais e económicos, tudo isso se teria evitado se Deus quisesse ser, por um instante que fosse, não digo já pai amantíssimo, mas simplesmente juiz consciencioso, alma de bom sentir e bom querer. Bastava que dissesse ao seu vigário na Terra uma palavra só; bastava um gesto, um aceno, e tudo se teria remediado e evitado. Mas não quis. E ate parecia ser ele o primeiro a sentir e a confessar o medo.

...Deus, que nos ouve e nos vê decerto nos aplaude, pois está-nos fazendo o mesmo que tem feito aos que na Terra se dizem seus representantes... Querem vocês saber como ele usa assistir aos concílios e outras reuniões da Igreja? Em qualquer dessas assembleias, a que o papa assiste muitas vezes e onde estão cardeais, patriarcas, bispos e padres, ergue-se de lá um, muito solene, muito grave e, dirigindo-se ao espirito invisível, ao mistério, exclama Se Deus aprova, que se deixe estar. Por conseguinte, se o vosso receio é que Deus não esteja satisfeito connosco, digamos nós também, como esses padres, ao começar este serão: - Se Deus não está contente connosco, se não aprova as nossas intenções e decisões que vão seguir-se, que faça o favor de se manifestar, erguendo-se, falando, exteriorizando-se, enfim. ...Como vêem, Deus conforma-se, aprova as nossas decisões."

De Tomás da Fonseca.

Professor e Escritor. Nasceu em 10 de Março de 1877 e morreu em Lisboa, a 12 de Fevereiro de 1968. Dezassete dos seus livros foram proibidos pela censura. Publicou em 1909: "SERMÕES DA MONTANHA".

1 comentário:

DE-PROPOSITO disse...

Um pensamento interessante.
Fica bem.
Felicidades.
Manuel