domingo, 15 de julho de 2007

Deito-me no sofá



5 da tarde ... deito-me no sofá. abro as pernas. ergo-as. sinto-as edemaciadas, mas não o estão. coloco uma almofada sob elas. sinto os olhos indecisos em fechar, mas não me apetece dormitar- perda de tempo. mas ao estar acordada também não estou vigil. olho para o tecto falso - como muitos tectos que construímos na vida. desnorteio-me de tanto pensar que deveria em nada pensar. muitas vezes a construção em falso é tão rectificada em falso, e sempre em falso, que já não sabemos a veracidade escondida na falsidade construída. enfim!!... sinto lipotimias sucessivas estando deitada ... parece que estou etilizada em corpo letárgico. oiço ruído ... não descodifico o sentido da sonoridade. é um som- isso eu sei. parece que o oiço bem ao longe em espaço e tão perto do que fui, enquanto gente fardada. fixo o olhar até ganhar nuvens na visão. lanço o braço. quero agarrar o indefinido- sempre é mais nítido e coerente do que a realidade que defini em falso.

(...)


deixo os ponteiros do relógio dispersarem em campo circular outrora definido por outrem, que não eu. eu não acredito no tempo. e ele não acredita em mim. nunca cedeu aos meus pedidos suplicantes, até. o tempo vive, mas nem sempre deixa viver. nem sequer é firme na sua definição de linearidade temporal, porque tanto o vejo a saltar para o passado como galga para o futuro. sofre de mutações pendendo tanto para a velocidade como para a lentidão. parece correr ou parar consoante as vicissitudes das nossas vidas. o tempo nunca desculpou os nossos pecados nem escutou as preces de todos. só é fiel aos não viventes, porque para eles é gélido, sem pressa de vida, coarctando toda a esperança de vencermos na ressuscitação saltada das campas . o tempo só dá tempo a quem já não precisa de vida- só têm o seu nada em que nada lhes serve a paragem de tempo. deixo, porque tenho deixar, os ponteiros do relógio dispersarem.


(...)


continuo a escutar o som. assume volume, parece. o sentido de curiosidade vai-me acordando para descortinar o código que foi segredado aos viventes para saberem ler todos os sons. tento ouvir. o sentido do dever obriga-me a abrir os olhos que sempre se encontraram abertos. o coma, a que me forcei a confiar, fez-me o divórcio da realidade- a qual me queria ausentar. não queria ouvir, mas como oiço um sonido sinto que tenho que ouvir, nem que um grito. somos tão carregados de deveres, como trelas se tratassem, balizando a nossa necessidade de ausência para catarse e nos aproximarmos da liberdade. o som volve à audição incessantemente. é uma chamada. chamam por mim. oiço meu nome acompanhado por outra palavra- qual não sei. oiço sumidamente. longinquamente. o sentido soberano do dever parece que me obriga o pavilhão auricular a abrir, e descodificar o som antes sumido agora vociferado.

(...)

ah, sim estou no trabalho. oiço a chamarem por mim. precisam de mim. é uma doente que chama. e eu que me imaginava já em casa, de pernas estendidas, esticadas no sofá, a olhar para tecto, a partilhar um repouso... com os pensamentos...

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